Do anjo que não me guarda.
Luto pelo direito de não lutar por nada. Luto pela cama desarrumada que jaz largada, entediada e sozinha, enquanto me arrasto pelos corredores nus de um lugar qualquer.
Minhas batalhas, por vezes pequenas e estranhas, catastróficas e mundanas, são sempre ferrenhas e insanas. E na aspereza de superfícies mortas, rabisco meu nome e meu número de telefone, pois talvez meu anjo da guarda os tenha perdido e como um louco varrido, cambaleia pelas esquinas da Via Láctea à procura de um lastro, uma visão dos meus cabelos compridos.
Não digo que me esqueceu. Sei apenas que dormiu demais e não se deu conta de que já amanheceu. Ele não se deu conta de que a cama está fazia, e fria, e que já não sou mais tão eu.
O anjo que não me guarda enlouqueceu. Mas não digam que a culpada sou eu. Nada fiz para que de mim se descuidasse. Só pedi que me amasse, e então ele correu. Achei que nossa relação pedia amor e pão, H2O com limão, arroz com açafrão. Mas ele se recusou a me amar como seu Mestre mandou, e agora sem emprego ficou. Não cuida mais do que é meu.
Dizem que outro anjo virá. Que de mim outra alma se encarregará. Risco no chão de cimento um sinal de que meu coração precisa de alimento. O amor não é uma opção, e meu pescoço não está sob julgamento, ou minhas palavras sob juramento.
Por isso as digo sem receio. E devaneio sem exagerar, já que não posso espantar o novo anjo que vai chegar. E se ele também não quiser me cuidar? Vai se cansar antes mesmo de tentar? Não posso arriscar...
Volto à cama que tanto desejo. Quanta saudade do lampejo de verdade que só enxergo quando te vejo. Você daria um anjo da guarda perfeito. Pena que não é meu por direito. Mas minhas batalhas são estranhas, e um dia ainda ei de arrumar uma artimanha pra te trancar dentro do meu peito.