Seu Caminhão
Ele faria seus 95 anos...
E hoje na data que seria seu aniversário me pus aos meus devaneios de suposições: Como ele seria? Como estaria? Como se sentiria?
Mal!
É a única conclusão real e sem delírios afetivos que eu cheguei. A Natureza em sua sapiência o levou aos seus 69 anos. Poderia ter vivido mais. Mas a onda cultural de sua época o fez fumante, apreciador de toucinho defumado (bacon), pinga e muita cerveja sem medida. Na época em que gerenciava junto com meu avô fabricas de laticínios as frituras abundantes se davam em pura manteiga e os lanches com queijos amarelos – o do reino era o seu predileto. Fora isto de saudável eram, segundo seu atavismo lusitano, os peixes que ele fazia questão de pescar ou o bacalhau pendurado na despensa de casa ou quando não tinha a boa lata de sardinha servida com arroz.
O caminhão era o instrumento que poderia identifica-lo. Pode-se dizer até que o caminhão era a extensão de sua pessoa e sua pessoa a de seu caminhão. E isto começou quando ele se desentendeu com seu pai e não quis saber de laticínios. Pediu sua herança e comprou caminhões. Ele dirigia o seu Mercedes Benz e seus empregados outros. Varavam o Brasil de norte a sul e de leste a oeste.
Passar dias, semanas viajando se tornou comum. Uma vez desapareceu por mais de um mês. Isto causou preocupações em toda a família. Foi quando então minha mãe recebeu telegrama dizendo que estava em São Luís do Maranhão. Outra vez reapareceu em casa todo inchado mal podendo andar porque estava acometido de alergia a caju e não sabia que era alérgico. Outra vez chegou contando caso que visitara uma comunidade de habitantes de uma cercania que não sabiam nem o que era laranja e que por isto ficaram encantados com a fruta que ele levara.
Quando não tinha viagens a fazer e tirava férias juntava um bando de pescadores e iam pescar no São Francisco ou no pantanal mato-grossense. Os “causos” de pescador eram inúmeros e nos entrentinham por bons momentos. Ou então jogava lona na carroceria do caminhão e íamos em famíla pescar em algum lugar próximo. Uma vez reunimos duas ou três famílias e como ciganos nos acampamos em Itutinga por um final de semana inteiro – foi um passeio que nunca esqueci e está vivo em minha memória.
Sua presença em casa era motivo de muito respeito. Homem de poucas palavras, silêncios lacônicos não precisava de um único verbo. O seu olhar era um texto completo: ora uma poesia, ora uma crônica, e sempre um Código de Ordenanças. Bastava olhar com seus penetrantes olhos turquesa para tudo extrair, saber e ordenar. Nunca bateu em um filho, mas o modo dos olhares chegavam à beira da violência. Em mim causava emudecimento e por isto nunca dialogamos. Entendíamos assim. Minha mãe dizia “Você e teu pai são iguais!”. Talvez fôssemos e por isto as palavras não eram precisas e nem necessárias.
Por ele ter sido uma pessoa tão dinâmica e sempre independente ele não estaria bem com a senilidade se ainda vivo estivesse. Aos seus 60 anos ele já reclamava por não poder trabalhar mais, viajar como gostava por conta própria em seu caminhão e estar com os amigos em suas pescarias.
Está feliz, certamente!
Voltou a ser vivo planeta, pois o fora feliz enquanto era vivo no planeta como reação física, química e biológica que somos. A morte é só volta a estes elementos que nos compõem – é uma “desrreação” física, química e dormência biológica. Ele era avesso a toda balela religiosa e esotérica. Não venha me dizer conformado que ele está no Céu porque ele está aqui e é Terra.
Ele faria seus 95 anos...
E hoje na data que seria seu aniversário me pus aos meus devaneios de suposições: Como ele seria? Como estaria? Como se sentiria?
Mal!
É a única conclusão real e sem delírios afetivos que eu cheguei. A Natureza em sua sapiência o levou aos seus 69 anos. Poderia ter vivido mais. Mas a onda cultural de sua época o fez fumante, apreciador de toucinho defumado (bacon), pinga e muita cerveja sem medida. Na época em que gerenciava junto com meu avô fabricas de laticínios as frituras abundantes se davam em pura manteiga e os lanches com queijos amarelos – o do reino era o seu predileto. Fora isto de saudável eram, segundo seu atavismo lusitano, os peixes que ele fazia questão de pescar ou o bacalhau pendurado na despensa de casa ou quando não tinha a boa lata de sardinha servida com arroz.
O caminhão era o instrumento que poderia identifica-lo. Pode-se dizer até que o caminhão era a extensão de sua pessoa e sua pessoa a de seu caminhão. E isto começou quando ele se desentendeu com seu pai e não quis saber de laticínios. Pediu sua herança e comprou caminhões. Ele dirigia o seu Mercedes Benz e seus empregados outros. Varavam o Brasil de norte a sul e de leste a oeste.
Passar dias, semanas viajando se tornou comum. Uma vez desapareceu por mais de um mês. Isto causou preocupações em toda a família. Foi quando então minha mãe recebeu telegrama dizendo que estava em São Luís do Maranhão. Outra vez reapareceu em casa todo inchado mal podendo andar porque estava acometido de alergia a caju e não sabia que era alérgico. Outra vez chegou contando caso que visitara uma comunidade de habitantes de uma cercania que não sabiam nem o que era laranja e que por isto ficaram encantados com a fruta que ele levara.
Quando não tinha viagens a fazer e tirava férias juntava um bando de pescadores e iam pescar no São Francisco ou no pantanal mato-grossense. Os “causos” de pescador eram inúmeros e nos entrentinham por bons momentos. Ou então jogava lona na carroceria do caminhão e íamos em famíla pescar em algum lugar próximo. Uma vez reunimos duas ou três famílias e como ciganos nos acampamos em Itutinga por um final de semana inteiro – foi um passeio que nunca esqueci e está vivo em minha memória.
Sua presença em casa era motivo de muito respeito. Homem de poucas palavras, silêncios lacônicos não precisava de um único verbo. O seu olhar era um texto completo: ora uma poesia, ora uma crônica, e sempre um Código de Ordenanças. Bastava olhar com seus penetrantes olhos turquesa para tudo extrair, saber e ordenar. Nunca bateu em um filho, mas o modo dos olhares chegavam à beira da violência. Em mim causava emudecimento e por isto nunca dialogamos. Entendíamos assim. Minha mãe dizia “Você e teu pai são iguais!”. Talvez fôssemos e por isto as palavras não eram precisas e nem necessárias.
Por ele ter sido uma pessoa tão dinâmica e sempre independente ele não estaria bem com a senilidade se ainda vivo estivesse. Aos seus 60 anos ele já reclamava por não poder trabalhar mais, viajar como gostava por conta própria em seu caminhão e estar com os amigos em suas pescarias.
Está feliz, certamente!
Voltou a ser vivo planeta, pois o fora feliz enquanto era vivo no planeta como reação física, química e biológica que somos. A morte é só volta a estes elementos que nos compõem – é uma “desrreação” física, química e dormência biológica. Ele era avesso a toda balela religiosa e esotérica. Não venha me dizer conformado que ele está no Céu porque ele está aqui e é Terra.
Leonardo Lisbôa
Barbcena, 16/01,/2017.
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