EU "VOU MORRER MAS EU NÃO PARO DE BEBER": A felicidade engarrafada
Sou do time que concorda com a máxima de que a música faz bem tanto ao corpo como a mente. Essa possibilidade me levou a ser um grande apreciador das canções, independentemente do gênero, desde que sejam boas músicas, melodias agradáveis aos meus ouvidos, não difamem ninguém nem façam apologia ao que é mal. Apesar de curtir vários estilos, o Sertanejo é minha menina dos olhos verdes. Dizem quem paixão acontece naturalmente, no encontro dos olhares, mas comigo não foi assim. Meu pai me ensinou a gostar da música sertaneja, pois era o ritmo mais tocado nas rádios AM do velho rádio de pilha que tanto embalou nossas madrugadas na casa de farinha. Já dizia Karl Marx, filósofo, economista e cientista alemão (1818-1883), na essência de sua filosofia que o “ser humano é produto do meio”. Assim cresci, ouvindo as boas e encantadoras cantigas sertanejas.
Hoje, já crescidinho um tanto, continuo a gostar das músicas sertanejas, inclusive as novas, oriundas do que chamaram de Sertanejo Universitário, mesmo que os autores e músicos nunca tenham nem se aproximado de uma universidade. Tudo bem, essa não é a questão em foco. O tem me preocupado de verdade é a forma como a música sertaneja tem vendido a ideia de que a bebida alcoólica pode trazer a felicidade. As músicas em sua maioria fazem apologia à bebida alcoólica, numa clara alusão de que a felicidade encontra-se engarrafada. Não falo apenas das novas músicas, mas de forma geral, esse gênero musical parece ser alimentado pelo álcool. Antes, provavelmente, meu senso reflexivo ainda não era capaz de identificar essa problemática.
Atentando-me às letras de algumas dessas músicas, percebi que elas incentivam os jovens a beberem, como se ficar bêbedo fosse uma forma poética de viver. O mais agravante é que a sociedade brasileira, mais exatamente os jovens em geral, são levados, através das composições a acreditarem que beber até cair é uma questão cultural. Eu, como muitos, não me deixei tocar por essa ideologia, mais são casos raros que escapam a essas ofensivas. Os atacantes são vários, enquanto a linha de defesa é fraca e não percebe os atacantes se aproximando e fazendo os vários gols. A dupla de ataque Guilherme e Santiago, por exemplo, em "Triste e Alegre", disparam: "Eu fico triste, alegre/Sem beber eu fico triste, bebendo eu fico alegre". A alegria só é conquistada por meio da bebedeira. Estar sóbrio é sinônimo de tristeza e cafonice, muitos jovens não resistem a isso, pois não suportam ficar fora do grupo.
Dizem que os mais velhos têm mais experiência, que a panela velha faz comida mais gostosa. Quando o assunto é música que faz apologia às bebidas alcoólicas, essa crendice popular também é válida, como cantaram os experientes Tonico e Tinoco em: "Pinga ni Mim". "Pra Curar O Meu Despeito/Vou Meter Pinga No Peito". A bebedeira continua reinando absoluta como único meio e remédio para solucionar qualquer que seja o problema. Até
João Carreiro e Capataz em Conselho de Amigo, orientam e dão a receita para resolver os problemas: "Vem com nós pro buteco, vem tomá pinga, enxê o caneco". Em outra canção, denominada "Butecologia", juntos com o grupo Rhaas a dupla dispara, "Meu pai paga faculdade, tá querendo me formar/Veterinária, agronomia, eu não sei o que estudar/Tanto tempo na facu e o meu melhor resultado/Foi só butecologia que eu fui aprovado". A princípio chega a ser engraçada, mas se analisarmos bem, essas músicas podem influenciar definitivamente o caminho de um jovem que nasceu para brilhar, sendo um bom estudante, bom profissional e exímio cidadão.
Obvio que não vou analisar todas as músicas, pois aqui não se trata de um artigo cientifico, mas apenas de uma conversa com o amigo leitor sobre um assunto que fui tocado hoje pela manhã quando ouvir a música: "Tudo que eu quero ouvir: eu te amo e open bar", de Michel Teló, e "É meu defeito, eu bebo mesmo", de Fernando e Sorocaba. São músicos excelentes, mas às vezes se vendem à indústria do álcool. Não sou adepto da ditadura militar, muito pelo contrário, sei o valor de uma sociedade democrática, mas ainda não aprendemos a nos beneficiar da liberdade que gozamos. Da forma que é combatido o uso de algumas substancias químicas, a música pejorativa também deveria ser proibida. Músicas como: Beber, cair, levantar! Beber, cair, levantar! Beber, cair, levantar! Beber, cair, levantar! Vamos simbora Prum bar Beber, cair levantar. Autoria de Marcelo Marrone e cantada por Aviões do Forró. Jorge e Mateus também estão incluídos na linha lista de músicas proibidas com o título Sosseguei: “Tô virado já tem uns três dias/Tô bebendo o que eu jamais bebi.” Até as irmãs Simone e Simara, em Meu violão e nosso cachorro, “Mas se a gente não voltar/Posso beber, posso chorar/E até ficar no soro…”. Mesmo que possa parar no hospital, não abrem mão de uma boa pinga.
Como salvar nossos jovens dessa ofensiva? Não basta o que eles já presenciam, muitas vezes em casa mesmo, na rua ou nos anúncios de TV. Como resistir ao convite de Wesley Safadão, em Camarote: “Agora assista aí de camarote/Eu bebendo gela, tomando Cîroc”. E o que dizer da música cantada por Israel Novaes, autoria de Jujuba: Vó, tô estourado “Dezoito anos, não queria nem saber/ Só beber, curtir e farrear/ E quando eu chego, logo eu boto é pra torar/Eu vou descendo caixa de Old Parr”. É muito legal, viver só de curtição, o problema é que os jovens ainda não estão educados o suficiente para entenderem que se trata apenas de uma música. No entanto, querem mesmo é fazer valer na prática esses refrãos. Não poderia encerrar esse bate papo com os caros leitores sem mencionar essa perola do mal cantada pelo grande Gusttavo Lima:
“Eu vou morrer, eu vou morrer
Eu vou morrer mas eu não paro de beber”. Realmente, conheço muita gente aqui em minha cidade que morreu vítima da bebida alcoólica, como também sei de muitos jovens que estão levando a sério os conselhos dados pelos cantores. Sabemos que viver sóbrio em país desse dói, mas é preciso estar sóbrio para chegar a essa conclusão. Viva à música sertaneja, à música, não ao canto fúnebre.