UM PORRE HOMÉRICO
UM PORRE HOMÉRICO
Guardo uma recordação hilária que poderia ser trágica. Graças ao santo protetor dos bêbados, só ficou a parte engraçada como lembrança.
Na primeira quadra do canal 4(Av. Siqueira Campos) na pista sentido centro, em Santos, o Edifício Brasília é o de número 665. É um prédio de uns dez andares com uma característica: há, em cada andar, uma marquise com cerca de meio metro que contorna a parte frontal no mesmo nível do andar, na parte externa. Ali morava o Roberto Inglês, que cursava o Curso Clássico no Martim Afonso. Aos domingos, realizavam-se reuniões na casa de um dos alunos, de caráter gastro/cultural/etílico/musicais. Começavam às 11 da manhã e não havia hora para acabar. O término dependia da existência ou não das bebidas e dos assuntos discutidos. Alguns dos participantes: Evaldo Ferreira que namorava a Zuza (tia do Márcio França), Cláudio José dos Santos, que nos deixou ano passado de uma queda, Flávio Moita, Eneida Chrisóstomos e seu namorado Roberto Batata, Verônica, irmã da Eneida, professora Lígia, Roberto Inglês, Benedito e outros que não me ocorrem agora. O Benedito era uma figuraça. Morava na Praça João Pessoa, hoje uma réplica da São Vicente Colonial, e sofria de uma doença nos olhos que o obrigava a usar óculos de muitos graus e bem escuros devido à fotofobia. Mesmo com esse problema participava ativamente da turma, tinha muita força física, inteligente, engraçado e apaixonado pela professora Lígia.
Nesse domingo, a reunião foi na casa do Roberto Inglês. Tudo ia bem até que o Benedito resolveu servir o café em uma grande bandeja. Serviu, recolheu as xícaras vazias. Ao invés de levá-las para a cozinha sentou com a bandeja no colo, e encheu as xícaras com uísque e tomou tudo. Eram 15 ou mais xícaras de café. Repetiu essa operação mais uma vez até alguém levou a bandeja para a cozinha. Aí começou uma epopeia. Benedito esbarrava nas pessoas, balançava pra tudo que é lado, e foi ficando mais e mais embriagado. Ninguém segurava o cara. Até que Benedito escapou e saiu correndo porta afora do apartamento, com dois caras no seu encalço. Subiram dois andares pelas escadas, Benedito se escondeu em um canto e quando os perseguidores passaram por ele, Benedito voltou a descer as escadas. Os dois viram e voltaram a perseguí-lo. Só que Benedito havia subido dois andares e desceu um, entrando correndo no apartamento um andar acima de onde estávamos. Quase matou de susto a família que assistia ao programa na Globo, no sossego do lar. Três marmanjos invadindo a sua casa revolta qualquer um. Depois de muito bate boca e inúmeros pedidos de desculpas, voltaram ao apartamento do Roberto Inglês. Evaldo convenceu o Benedito tomar um banho para passar o porre e um dos amigos se trancou com Bene no banheiro. Passados cinco minutos, ouviam-se barulhos repetidos na parede, como se alguém estivesse esmurrando-a. Abrimos o banheiro e vimos uma cena bizarra: o cara tomando banho, pelado, e Benedito, que praticava caratê, esmurrando a parede. E o rapaz tentava convencer o Benedito a entrar embaixo do chuveiro. Nova intervenção e conseguimos convencer Benedito a deitar em um dos quartos e se recuperar. Fechamos o quarto e deixamos Benedito deitado, bem quieto. As coisas se acalmaram, todos conversando. De repente, as moças que estavam na área de serviço começaram a gritar, desesperadas. Corri até lá e presenciei uma cena de filme de terror: Benedito, meio cego e bêbado, vinha andando pela estreita marquise, com a barriga colada na parede, passo a passo. Tensão total. Aos poucos foi se aproximando, colocou a mão na mureta e levantou o joelho para entrar na casa. Já ia caindo do 5º andar, de costas, quando eu e o Evaldo agarramos o cara e colocamos para dentro do apartamento. Aos poucos Benedito se refez, descemos e pegamos um taxi para São Vicente. Deixei Benedito em sua casa. Para mim, ele havia nascido pela segunda vez.