Letras e Palavras

Chegaram-me uma a uma como cartas de um baralho querido e divertido. Portentei

arrumá-las muitas vezes. Algumas delas, tão fugidias de minhas mãos, arredavam-se e eu, obsidiante, as caçava pressagiando uma grande colheita literária.

Eu, mediatário do furor das letras, procurava amainá-las já diante da guindagem de frases inteiras, porque a simptose me limitava a ir atrás de outros lances de buscas mais demoradas. Estava cansado.

Não sabia que há letras que preferem estar perto de outras e até gostam dos nomes que compõem. Soube, algumas frases me disseram, que existem umas, inteiras, que choram construindo até lágrimas, atrás do significado que trazem para seus leitores.

Sem enlaivar nenhuma delas, apesar da cerceadura de minha parte em não deixá-las separadas, tornei-me delas cupincha. Alegrei-me, elas haviam estirado-me as mãos e pude construir o primeiro parágrafo. Sua finidade foi exclamativa. Continuei dentro de outras tantas e já estava íntimo das palavras, quase esquecidas das letras isoladas, porque as frases queriam adiantar-se na completude do texto que nascia.

Sei bem que, no fulgor imagético de escritor, me senti entre elas e também preso ao papel, mãos dadas, na respondência de uma já cumplicidade literária.

Graças a Deus o sono acabou, corri para a escrivaninha, apanhei a caneta e fiz esse poema de amor que vos passo agora, caros leitores, como recriação de um sonho providente que me deram as letras naquele dia, distante dos outros comuns, mas cheio de sons e imagens, tão doces quanto belas.

As letrinhas têm irmãs que ficam furiosas quando não estão agarradas umas às outras formando as palavras sinceras que, por sua vez, vão até às frases que traduzem nossos sentimentos e assim por diante, enchendo os contos de fadas, poemas de amor, romances cheios de estrelas ou simples canções de ninar a embalar crianças pequeninas ou crianças imensas como os ursos da neve.

URSO APAIXONADO

Tão marmo este amor,

díspar de outro qualquer,

voante como o pensamento

que te deseja assim.

Em ursina trincheira,

acasalado com o desejo,

hiberno feliz

na voragem de te amar,

mesmo sem ser o urso

que te devora até a alma.

Estás na peanha

do meu coração,

adorada feito deusa

na atestação

do meu mais lúcido

amor amestrado.