Bairros deprimidos
Mudanças são inevitáveis. Frase inevitavelmente cansada, como sabemos.
Houve um tempo em que no Rio os bairros sorriam. A Cinelândia expunha a pujança de uma festa cinematográfica pelo número de cinemas. Era local de “pegação”, sim, num tempo em que o homossexualismo era tratado com mais preconceito, embora ninguém fosse assassinado ou agredido covardemente por brutamontes como os que acabaram tirando a vida do Luiz Carlos Ruas em São Paulo. Coisa que certamente já deve ter acontecido aqui pelo Rio também.
A Tijuca, representada por ruas arborizadas com belas residências, tinha na sua Praça Saenz Peña, sempre alegre e cheia de árvores também, outra Cinelândia, tal o número de cinemas que circundavam o logradouro.
No Méier havia um jardim encantado, aonde íamos nas noites de sábados e domingos paquerar, vestidos com nossas melhores roupas.
Cascadura, Madureira, Piedade, etc. – todos esses bairros sorriam, simplesmente porque não costumávamos nos preocupar com o elemento insegurança. Não havia arrastões, assaltos à mão armada ou agressões gratuitas a quem fosse se interessar por uma pessoa do mesmo sexo. Até a Lapa, onde campeou o bravo Madame Satã, homossexual assumido e bom de briga, podia ser frequentada sem grandes riscos de sairmos de lá com uma cadeirada na cabeça, sem o carro, “preso” por dois motoqueiros ali na esquina, ou tiros no corpo por termos resistido a algum assalto.
Mas as coisas mudam. Hoje o sexo está praticamente liberado. Mulheres beijam mulheres e homens se beijam calorosamente nas calçadas ou nos bares sem o menor constrangimento, drogas são consumidas sem grandes preocupações com a repressão – a licenciosidade, enfim, é realizada como queríamos ou é aquela que tinha que acontecer. Numa demonstração de que esse seria, de fato, o caminho natural. Nada havendo de errado, portanto.
E, no entanto, as pessoas vão pra casa mais cedo. Não existem mais tantos cinemas nem na Cinelândia nem na Praça Saenz Peña. Ninguém paquera mais ninguém no Jardim do Méier. Cascadura, Madureira, Piedade, como tantos outros, são bairros escuros e desprovidos, em sua maioria, de lojas de rua onde ninguém se dá ao luxo de passear depois das 8 da noite. A Lapa é certamente ainda uma festa, mas possivelmente sob uma tensão que em outras épocas não existia.
Os shoppings representam a fuga. Porque, fora deles, nossos bairros hoje choram. Ou, no mínimo, estão deprimidos.
Rio, 10/01/2017