O SABOREAR DA OBRA
Na última tarde estava eu, refletindo sobre os dizeres do filósofo e educador, Mário Sérgio Cortella, que perguntava: qual é a tua obra? E dessa maneira em nossa mente podemos retroagir em nossos pensamentos e ações o que realmente nos constitui e nos retrata na sociedade. Durante a leitura, o autor contava que o célebre poeta e jornalista, Mário Quintana, teria pedido para que gravassem em sua lápide: “eu não estou aqui”. Mais uma vez, nos indagamos quem demandaria para inserir em seu obelisco, após a sua passagem carnal ao mundo espiritual, a frase: “eu não estou aqui!” Afinal todos nós um dia morreremos, faremos esse traspasse, de acordo com a nossa vivência, com o cuidado com o nosso corpo e com o nosso espírito. Mas quiçá muitas vezes não refletimos a respeito - de que algum dia nós não estaremos mais nessa esfera, pelo menos fisicamente. E olha só como é estranho, o homem é um único animal mortal, isto é, que sabe que vai morrer, pois todos os outros animais estão tranquilos em seu dia a dia, dormindo, comendo, satisfeitos com a sua “imortalidade”.
Pois bem! Voltemos ao que Quintana impetrou em seu sepulcro. Ele, sem querer, nos apresenta uma lição de vida, até quando não está mais neste cosmos. Isto é, Mário Quintana, nos remeteu a ideia de que nós todos somos humanos racionais e somos ou devemos ser importantes a alguém. Pode ser para o seu pai, para sua mãe, seus filhos, seus parentes, esposa, amigos ou colegas de trabalho. E que esse valor que temos que cultivar não seja limitado somente ao agora, não! Mais uma vez nos ensina que em tudo que fazemos, seja no trabalho, em casa, um favor a alguém ou simplesmente cortar a grama de um jardim, devemos fazer tudo isso com notável cuidado, quer dizer, com intenso amor! Notemos como é algo complexo, estarmos no presente, saboreando tudo com dedicação, com agudeza, com uma boa vontade distinta e devotada! Para alguns, quando são convidados a realizar algo que não gostam, ou que não conhecem, pelo menos no primeiro momento, não raramente, fazem por obrigação, para cumprir uma tabela, para prestar satisfação ou para demonstrar alguma habilidade, ainda que incipiente.
Em outras palavras, o grande trovador nos doutrina que em toda oportunidade que preenchermos um espaço, não devemos somente perfazer para contar mais um, para apenas prestar contas. Todavia, sim, demonstrar que somos únicos, que podemos executar algo, ainda que fácil, ainda que muito simples, com tamanha gratidão, respeito e sinal de humildade. Tudo para que se torne algo realmente diferenciado e demonstremos nossa solidariedade e empatia. Será clarividente que perpetrar algo com demonstração de extrema boa vontade, de extraordinária satisfação, alegria, competência e tranquilidade, tende a deixar alguns com “a pulga atrás da orelha”. De fato essas lições nos projetam ideias de reconsideração e inovação de conceitos, uma vez que podemos perceber que especialistas, mestres e doutores, por desfrutarem de habilidades tão apuradas, podem até desvaler o simples, pois o que é natural pode ser considerado comum e sem grandeza. O poeta nos convida a demonstrar que somos úteis aos outros no simples, no complexo, ou no que é preciso, pois o profissional diferenciado, o amigo leal e verdadeiro, o parceiro cúmplice e companheiro é aquele que está à disposição em todas as horas, sejam alegres ou tristes, sejam difíceis ou imediatas. Com efeito, poderíamos nos indagar: que falta faríamos se não existíssemos aos que amamos? Agimos com essa perspicácia de espírito ou, ainda assim, contemos um pensamento altivo e pessimista? A ideia é que saibamos que há muito a aprender; é saber que para que possamos crescer mais, temos que nos fazer pequenos, conforme nos ensina o advogado e educador, Paulo Freire que dizia que era pequeno, para poder crescer. O escritor Cortella continua: “gente grande de verdade sabe que é pequeno e, por isso, cresce. Gente muito pequena acha que já é grande e o único modo de ela crescer é rebaixando os outros.” Por outro lado há que se inferir que aqueles que lavram maldade, orgulho e antipatia, com certeza não serão lembrados nem em seu leito final.
Em contrapartida, aquele que é altruísta, defensor das causas humanas, que está ao lado dos que o amam se fazendo presente, ainda que morra, viverá! E mesmo que esteja sepultado, em sua lápide, todos se lembrarão dele com inspiração, com entusiasmo de alguém que viveu não somente para si, mas para a celebração do gênero humano como algo extraordinário; que compreendeu que no mundo ninguém vive sozinho, que para que possamos crescer, precisamos do outro, carecemos nos sentir bem com outros. Como disse, certa vez, o grande escritor, mineiro, Guimarães Rosa, “é no meio dos “bão” que a gente fica “mió””. Assim não nos esqueçamos de nos doarmos mais aos que nos circundam, posto que a existência tenderá a ser mais afetuosa, fraterna, benigna e voltada a paz aqui na terra e lá no céu, quando nos formos também. Tudo o que fazemos em vida ecoa na eternidade. Todo o trabalho digno não é um fardo, mas uma obra. Uma obra de caridade, uma obra a serviço do homem e precipuamente a serviço de Deus.