CRÔNICA – Meu tempo de menino – 07.01.2017
CRONICA – Meu tempo de menino – 07.01.2017
Noutro dia fui à praia com minha netinha, a fim de que ela pudesse se distrair um pouco, porquanto foi minha companheira no romper do ano que passou e, sendo assim, eu lhe era devedor de alguma coisa que a fizesse feliz. Enquanto eu tomava uma cervejinha gelada, ela se banhava a beira mar, mas com água no máximo até aos joelhos. A afluência foi razoável, não sei se na medida, uma vez que apesar de a praia ficar a apenas uns seiscentos metros de casa, embora possa parecer mentira, fazia tempo que não saboreava uma manhã ensolarada e bela aqui na orla recifense.
De repente, passou um rapazinho com umas dez pipas, cada uma amarrada entre si, de sorte que aquilo me chamou a atenção para os meus velhos tempos de criança. Pude ver em minha imaginação aquele corre-corre danado na fabricação de meus próprios papagaios, movimento que ia desde a preparação das varetas de bambu, de dendê ou mesmo de coqueiros à cobertura do artefato, que era feita com papel de seda de diversas cores. A prioridade era para a vermelha, a branca e a preta, porquanto se poderia fazê-los para homenagear os principais clubes de futebol local – Santa Cruz, Náutico e Sport Clube Recife. Sou um sofrido torcedor do tricolor do Arruda.
Claro que o produto era de primeira qualidade. Do bairro da Encruzilhada, onde morava, fornecia pipas para pessoas de Campo Grande, Beberibe, Arruda, Casa Amarela, Santo Amaro e outras localidades, ficando assim muito conhecido na região. Não dava vencimento à procura, que era grande, faturava razoavelmente a ponto de cobrir as despesas de material e ainda sobrava grana para as atividades normais de um rapazinho. Mas eu também empinava os que fazia pra meu uso e, aqui pra nós, manejava bem um carretel de linha. A pipa só faltava falar. A única coisa que não me agradava era quando a minha linha sofria o corte de algum concorrente que aparecia de surpresa pelas costas, mandando o meu brinquedo pras cucuias.
Evidente que também não deixava de fazer minhas pescarias de siri, na Ponte do Brum, que era de ferro e por ela passava um trem de carga várias vezes por dia, razão por que não se podia vacilar, eis que do contrário a vida iria pro brejo. O resultado dessas pescarias era ajudar na manutenção da casa, eis que o meu pobre velho ganhava salário inexpressivo, sendo aquilo um bom reforço na economia dos gastos com as feiras semanais. Mas nem toda vez a pescaria era exitosa, o samburá voltava sem nada, assim como fazia um vazio no meu coração.
Meus times de botões eram feitos por mim mesmo. Utilizava-me de quengas de coco, quebrando-as e aparelhando-as, de sorte que ficavam lisinhos e brilhosos, eis que também me utilizava de lixa d’água e caco de velas para dar maior versatilidade ao pseudo atleta. O que mais me surpreendia nessa atividade era que os colegas que me enfrentavam, cada qual com seus times bem elaborados (botões de chifres de boi, mica, capa de chuva), mas quase nunca me levavam de vencida, e nisso também criei fama nos arredores. Vinha gente de todos os lugares para me enfrentar, e poucas vezes perdi uma disputa por mais acirrada que fosse.
De par com essas atividades, claro que praticava o futebol de várzea, ainda me lembro na posição de center-half, depois quarto zagueiro, que hoje não mais existe, em face da modernidade do esporte, que foi progredindo com diversos esquemas tipo 2-3-5, 4-2-4, 4-4-2, 4-3-3 e outras variações que se fazem ao longo dos noventa minutos de uma partida. Em todos esses arranjos, claro e evidente que não se poderia esquecer o goleiro, que é o primeiro do time, que é composto de onze atletas. Treinei nos infantis do Clube Náutico Capibaribe e nos juvenis do Sport Clube do Recife, profissão que não optei por segui-la, eis que eu seria apenas um atleta razoável, e desses sempre houve sobras no nosso país.
No que concerne a bolas de gude e pião, que também pratiquei, confesso que nunca fui bom nessas áreas, mas havia colegas que faziam verdadeiras estripulias no trato desses brinquedos, especialmente quanto às piruetas no manejo do cordel.
Mesmo diante desses compromissos, vale ressaltar que não relaxei quanto aos estudos. Fiz o curso primário num grupo escolar estadual, em quatro anos, e também concluí o curso secundário numa escola industrial, também em idêntico prazo, abiscoitando o meu primeiro diploma, com muita honra, que é o de marceneiro, isso quando tinha apenas quinze anos de idade. Um detalhe que sempre me vem à mente é que o fardamento e o material escolar eram fornecidos pelo governo, numa época em que o ensino, permitam-me a sinceridade, tinha mais valor e gente mais bem preparada para o ofício de ensinar, que é uma verdadeira arte. Um detalhe que não pode passar despercebido é que àquela época nem se pensava em tanta corrupção no país, o dinheiro recolhido dos impostos dava pra tudo e ainda sobrava.
Fiz todo esse rodeio pra dizer que não resisti quando vi as pipas no ar. No dia seguinte fui ao comércio e comprei todo o material necessário à produção delas, e já as fiz, não perdi a prática, porquanto na primeira oportunidade vou soltá-las e rememorar, praticando, dias inesquecíveis, quem sabe até amanhã mesmo, caso o dia seja de sol de brigadeiro.
Dizer o que fui na vida não é querer se engrandecer, se vangloriar, até por que o que passou, passou, não volta mais, restando somente saudade, sentimento próprio de todos nós, notadamente e em especial quando nos lembramos das coisas boas que pudemos fazer nos tempos idos.
O que veio depois disso vai ficar por escrever, até por que deixei de ser menino. Eita garoto sofredor, só mesmo Deus sabe das agruras por que passei, entretanto nada a reclamar o que me foi reservado naquela época, porque também vivi dias de alegrias e vitórias. Considero-me hoje um homem de sorte, mas sempre procurei cumprir meus deveres de cidadão, evidente com falhas e acertos, pois ninguém é perfeito no mundo.
Fico por aqui. Se me valorizei muito peço perdão.
A foto foi captada no GOOGLE. Caso haja direitos autorais, por favor me avisem, eis que a tirarei do texto.
08/01/2017 – O nobre Poeta Carioca fez essa bela interação. Muito grato:
Que maravilha de crônica, meu amigo! Guardo e acaricio seu penúltimo parágrafo. Ótima a sua resolução de vir à público e discorrer sobre seus pretérito juvenil. Excelente! Falou de "time de botão"... ahhhhhh!... Como jogava isso. E na minha época, como não tinha meios de possuir os conhecidíssimos e respeitosos botões de galaliti, contentava-me com os botões de panela (como eram chamados aqui no subúrbio do Rio de Janeiro, pela sua forma côncava, mas era de plásticos); bola de gude, pipa (como também chamamos aqui), peão... futebol?! Putz!... Essa era minha paixão e preferência. Mestre! Um texto saudosista e pra lá de prazeroso. Meu respeito, admiração e abraço sincero!!
Para o texto: CRONICA Meu tempo de menino 07.01.2017 (PRL) (T5874861)
Que maravilha de crônica, meu amigo! Guardo e acaricio seu penúltimo parágrafo. Ótima a sua resolução de vir à público e discorrer sobre seus pretérito juvenil. Excelente! Falou de "time de botão"... ahhhhhh!... Como jogava isso. E na minha época, como não tinha meios de possuir os conhecidíssimos e respeitosos botões de galaliti, contentava-me com os botões de panela (como eram chamados aqui no subúrbio do Rio de Janeiro, pela sua forma côncava, mas era de plásticos); bola de gude, pipa (como também chamamos aqui), peão... futebol?! Putz!... Essa era minha paixão e preferência. Mestre! Um texto saudosista e pra lá de prazeroso. Meu respeito, admiração e abraço sincero!!
Para o texto: CRONICA Meu tempo de menino 07.01.2017 (PRL) (T5874861)