Três de janeiro

Teria sido um dia enfadonho, de uma banalidade rotineira, eu com certeza estaria reclamando agora, em vez de escrevendo. Mas algo mudou. O telefone não tocou, eu não fui atrás de ninguém, não ganhei prêmio algum, ou alguma salvação que as pessoas esperam que as distraía da rotina cansativa em que somos obrigados a aguentar até o dia seguinte como de costume, para que as nossas esperanças sejam renovadas. Aquela carta inesperada não chegou, acho que elas ainda chegam por aí, não perdemos totalmente esse costume, aquele esbarrão numa esquina qualquer da vida com alguém cujo encontro tornou-se um evento improvável, não me aconteceu. Mas, hoje não precisei de utopias, nem nada para chegar aqui ao fim do dia, inteira, nem estou louca pelo dia seguinte para dar continuidade à minha espera por alguma surpresa que consequentemente eu veria como um indício de felicidade. Aceitei a minha própria companhia durante todo o dia, e soube lidar com ela, me lembrei de cuidar de mim, e sem que eu percebesse, o meu dia estava esvaindo, ser feliz não tem a ver apenas com a companhia do outro. A felicidade vai além dessa dependência, e ficar só não está ligado à solidão, solidão é um estado de espírito. Estar só e curtir a própria companhia, não arranca pedaço de ninguém, não é doença, é privilégio. Isso ninguém nos ensinou muito menos ensinará, porque não é coisa fácil e as pessoas estão ligadas demais a essa correria constante do dia para se preocuparem com isso, o que foi me dado hoje de repente, valeu mais que qualquer surpresa, carta, encontro, ligação, que agora vejo como coisas secundárias. Tenho a mim, enquanto isso me bastar, estarei de pé.

Anny Ferraz
Enviado por Anny Ferraz em 03/01/2017
Reeditado em 01/08/2018
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