Era o dia em que achei que fosse morrer

Era o dia em que achei que fosse morrer – talvez não àquela hora, talvez nem mesmo naquele dia, mas, inevitavelmente, morrer. E a minha morte me pareceu uma injustiça tão grande que eu quis fazer alguma coisa para impedir, nem que fosse apenas sair de casa e dar uma volta, qualquer coisa menos ficar esperando por ela. Então eu saí, naquela tarde de sábado em que não havia sol, mas eu não sabia para onde é que se deve ir quando se quer fugir da morte. Tomei o rumo das praças, das árvores, das flores, porque achei que seria muita crueldade se a morte fosse atrás de mim no meio daquela vida.

Caminhava devagar, olhando cada pessoa que encontrava, desejando que alguém também me visse e adivinhasse o que se passava comigo, que se prontificasse a me ajudar, tomasse iniciativas que nunca me ocorreriam. Mas qual, ninguém prestava atenção em mim, e eu apenas ouvia o canto enlouquecido das cigarras, das cigarras e de alguns pássaros que eu não conseguia identificar.

De tanto olhar ao redor, cheguei a presenciar o exato momento em que um desses passarinhos pulou em uma tina de água e começou a se lavar, coisa que muito alegrou uma moça que também passava por ali, a ponto de se virar para mim e comentar: “Olha que bonito!”. Eu não estava no clima, carregava muitos pensamentos sombrios, mas ali eu tive que concordar: era mesmo bonito.

Eu pensava, então, em como a natureza ousava ser bonita em um dia como aquele, e continuava caminhando, ruminando meus próprios dramas, quando me aproximei de uma quadra de esportes, uma dessas quadras de concreto que fazem para quem mora em prédio, e vi ali um menino e uma menina de oito, nove anos, no máximo, chutando de gol a gol. Fiquei imaginando que coisa feliz era ficar jogando bola ali, ser criança e jogar bola ali.

Reparei que a menina chutava muito bem, e fui observando os dois e caminhando, até que o menino deu um chute torto, a bola saiu da quadra e veio exatamente na minha direção, coisa que achei muito natural, talvez até esperasse por isso. Então eu aparei a bola com uma mão, deixei quicar e a devolvi de primeira com um chute de pé esquerdo, porque aquela bola era para quem chuta de esquerda mesmo. E não é que a bola caiu exatamente nas mãos da menina, um chute perfeito, e a menina pegou a bola e me agradeceu, agradeceu e sorriu para mim.

E eu segui em frente, como se nada de extraordinário houvesse acontecido, naquela tarde de sábado em que não havia sol, naquele dia em que eu me desesperei porque achei que fosse morrer, e talvez ainda morresse mesmo, mas pelo menos aquele dia havia valido a pena.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 31/12/2016
Código do texto: T5868591
Classificação de conteúdo: seguro