Sachê de 7g
Esta noite saí para comer uma coisinha. Quero algo salgado e um refrigerante geladão para molhar a garganta. Perto de casa há uma lanchonete e uma senhora simpática e de touca na cabeça me atende mostrando os quitutes disponíveis no balcão de vidro. Duas tortas salgadas me paqueram e os olhos sorriem para o alimento, sedentos pela crocância da massa e cremosidade do recheio.
Frango ou aquela com pedacinhos vermelhos, talvez tomate, hum, tem orégano também, talvez seja tomate seco. Abrindo a garrafa de refrigerante ks (que não sei por qual motivo tem esse nome) a atendente, de olhos ainda mais risonhos que os meus, serve numa bandejinha de isopor o triângulo rechonchudo de milho, batata palha, queijo, cebola, creme catupiry e salsicha. Nada de tomate, muito menos seco. Tudo bem, teve frango no almoço.
Ao depositar sachês de catchup e maionese em um copinho de plástico, ela se despede, em busca dos talheres. Dois dilemas já estão postos. Será que o garfinho e a faquinha serão descartáveis? Lidar com o prateco de poliestireno e os pacotinhos de condimentos já é uma missão complicadíssima. São incontáveis as vezes em que meus caninos roçaram-se produzindo um som pior que assovio de giz em quadro negro (que sempre é verde escuro) tentando abrir o envelopinho de mostarda. Ainda bem que aqui não tem mostarda.
Um sorriso de canto de boca e uma piscadela acompanham os tramontinas metálicos de cabos azulados. Vitória. Agora basta um pouco menos de voracidade ao recortar a perfumadíssima guloseima. O isopor haverá de resistir. Dois canudinhos na garrafa. Mesa circular para comer de pé (cansativo, porém charmoso) e lá se vai a primeira garfada. Desafios aparentemente superados. Menos os inquilinos do copinho, que me desafiam com um olhar provocador. Sei do incremento de sabor que eles podem oferecer. Mas minha camisa cinza-chumbo também me encara alertando o perigo. Ah, quantas seringadas de maionese e quantos jatos de catchup fazem parte do meu currículo... Coragem. Afinal, são anos de experiência. E se sujar, sujou, mas pronto, é só lavar direitinho.
Dentes furam o molho vermelho, despejado integralmente sobre a massa dourada. Sucesso. Mordiscos rasgam o pacote azul, que teima em conter o creme branco. Pânico. Déjà-vu da calça marrom com líquido viscoso e esbranquiçado, causando constrangimento na quinta-feira passada. Mas a bermuda de listras verdes não terá o mesmo destino. Como se uma lâmpada incandescente surgisse sobre minha cabeça, recorro ao porta-canudos-guardanapos, que geralmente têm um tipo de cortador ao lado. Uma das grandes invenções da humanidade, não há dúvidas. Frustração. Os canudinhos embalados em plástico já tinham sido a sorte do dia, que fora potencializada pelos talheres prateados. Vai ter que ser na maciota, no jeitinho, no talento.
Três toques caninos bastaram para romper o embrulho galhofeiro. Molho branco cobrindo o molho vermelho enquanto a boca vira uma piscina, ansiando a próxima talhada, finalmente banhada pelos caldos. Entretanto, sempre, repito, sempre, com mais maionese. Até parece que vem o dobro de conteúdo no saquinho azul, se comparado ao vermelho.
Bisbilhoteiro, esclareço essa dúvida e constato um “Peso Liq. 7g” em ambos. Uma farsa. Meu conhecimento empírico é testemunha disso. Sempre vem mais maionese. Mas uma importante descoberta mudará o destino da humanidade. Um pouco abaixo do sarcástico “Abra Aqui”, sempre envolto por um semicírculo tracejado (como se todo mundo andasse com uma tesoura no bolso), há um pequenino corte na embalagem. É só puxar e voilà, invólucro escancarado, catchup esborrando, pronto para temperar o lanche. Uma microrrevolução, maior até que a fitinha dos biscoitos recheados.
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