A REPÚBLICA DE CURITIBA: CANTORES NA MADRUGADA.
A REPÚBLICA DE CURITIBA: CANTORES NA MADRUGADA.
No apartamento do alto da rua XV de Novembro, que era a nossa república, alguns fatos incríveis aconteceram. Era um edifício de dois andares, térreo e superior. Nossa república ficava no pavimento superior. Vizinho ao prédio havia uma grande casa com quintal e após essa um terreno de esquina. Todos os meses havia uma semana de provas e isso era terrível, pois as horas de estudo eram muitas e a tensão aumentava. O dia da última prova do mês era uma descontração total, após a prova. Era um desses dias. À noite, todos tranquilos na república, as provas haviam acabado e podíamos voltar à rotina, e recuperar as horas de sono perdidas. Após uma hora de yoga e um bom relaxamento fui dormir. Era época de junho, chovia e fazia muito frio em Curitiba, coisa de seis ou 7 graus Celsius. Muito frio.
Em baixo do nosso apartamento, no pavimento térreo, moravam três irmãs. As três mulheres trabalhavam, eram bem mais velhas que nós. Por ser térreo, o apartamento delas tinha um pequeno pátio com tanque que era usado para lavar e secar roupas. Um muro servia de divisa com o quintal da casa ao lado.
Em plena madrugada, fomos acordados por uma serenata cantada a plenos pulmões. A música, Yesterday, dos Beatles. Roberto, que era de Presidente Prudente e ainda estudava para o vestibular, não teve dúvida: saltou da cama, foi para a cozinha, encheu uma leiteira grande com água da torneira, que estava gelada, abriu a janela da sala. Eu levantei a tempo de vê-lo jogar a água pela janela e falar mal a altos brados a progenitora de alguém. Olhei e vi, sentados em cima do muro de divisa dois caras sentados, um com violão e outro cantando alto e bom som. Ambos haviam recebido aquele banho, estavam com as roupas molhadas. Muito molhadas. Mas, inesperadamente, eles não saíram do tom e continuaram tocando e cantando a música até o final. Concluída a canção, ouvimos a ameaça: -“Estou subindo para matar quem jogou água em nós!” Minutos depois, todos nós acordados e com medo, começaram a chutar a porta do apartamento violentamente. Roberto foi para o fundo do quarto, que era grande, e ficou quietinho, morrendo de medo. Lá pelo terceiro ou quarto chute, abri a porta e dei de cara com o cantor: era o Romero, filho do proprietário do prédio. Começou a berrar, queria saber quem tinha jogado água nele e no seu tocador de violão. “–” Todo o lugar que vou fazer serenata as pessoas me recebem com agrados e bebidas, vocês me jogam água gelada! Quero saber quem jogou!” Foi mais de uma hora de discussão, nós afirmamos que não íamos dizer o autor do banho. Quando as coisas começaram a se acalmar, Roberto resolve assumir: -“ Fui que joguei a água!”“. Novo pandemônio, Romero partiu para cima do nosso amigo, eu o Lins segurando o cara, que sentiu que não ia conseguir bater em ninguém. Novas batidas à porta, surge o Leonardo, nosso vizinho japonês, com um revólver 38 na mão: -“O que que está acontecendo aqui?”. Explicamos que estava tudo resolvido. Os cantores foram embora, ameaçando que iriam “pegar” o Roberto, Leonardo voltou para seu apartamento e voltamos a dormir. As moças do apartamento de baixo nunca mais ganharam serenata.
Coisa de estudantes.
Paulo Miorim
29/12/2016