QUAL É MESMO O SEU NOME?

As cadeiras sobre as mesas, puxa pra cá, arrasta pra lá, já bastante suada, ela molha o pano, e com o rodo limpa o chão. O telefone Toca, prende o cabelo com uma “piranha”, deixando de lado o balde, cordialmente atende.

_ Lanchonete da Preta, bom dia!

_ De onde?

_ Da lanchonete da Preta!

_Quem está falando?

Pergunta com interesse o rapaz, do outro lado da linha.

_ É ela mesma.

_ Ela quem?

_ A preta, ora! Você ligou pra onde? Quem está falando?

_ É... É o Branco, quero

É interrompido

_ Muito engraçado!

Desliga, e volta à faxina.

Passado alguns segundos, toca novamente o telefone.

_ Lanchonete da preta!

Reconhecendo a voz fala:

_Você de novo? Estou trabalhando! Por favor, não perturbe!

_ Espere!

Ele insiste.

_Não desligue, preciso falar com você... Sou o branco. Alô!... Alô!

Silêncio, a ligação é cortada.

O Telefone toca outra vez.

_ É da lanchonete!

Atende com a voz já alterada

_ Oi! é a preta?

_ Não é possível, você outra vez! Vá se danar, tenho mais o que fazer. Desliga novamente.

Após alguns segundos, um novo toque.

Já bastante irritada atende:

_ Alô! Quer falar com quem?

_ Sou o Branco!

Tenta falar rápido:

_ Trabalho no Lojão das Tintas, quero confirmar um endereço para entrega de uma compra.

Não adianta, é novamente interrompido.

_ Vá passar trote para sua mãe! Seu vagabundo!

_ Espere! Não desligue!

Em vão. Já estava “falando às paredes”

lamenta:

_ Que mal tem em ser conhecido por branco. Será racismo? Conheço tanta gente chamada por apelidos: “Nego”, “Neguinha”, Moreno, Pretinho, Clara!

O telefone toca outra vez. Ela pega o fone, leva ao ouvido, mas não fala nada, apenas escuta.

_ Alô! Alô! Aqui é o Astronombran Coelho

Seu verdadeiro e estrambótico nome, conhecido por branco

_ Quem? ... Qual é mesmo seu nome?

Pergunta a Preta com alguma desconfiança:

_ Repita, por favor!

Resolve falar citando a sílabas, para que ela compreenda:

_ As, tro, nom, bran... co

É interrompido bruscamente.

_ É Claro que sei quem você é! Vá pro raio que o parta! Seu “filho da mãe!”

Desliga o telefone e retira-o do gancho.

_ Ninguém merece isso! Hoje é o meu dia.

Mergulha o pano no balde d’água e resmungando volta a rotina de toda manhã.

Mariano Silva
Enviado por Mariano Silva em 26/12/2016
Reeditado em 04/05/2017
Código do texto: T5863692
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