UM CONTO PARANAENSE
A vida de engenheiro de obras, embora árdua, proporciona experiências humanas maravilhosas. Não é só trabalho, mas também entrar em contatos com pessoas incríveis, verdadeiros gênios anônimos. Tive o prazer de conviver e ficar amigo de um velho engenheiro de Ponta Grossa, Paraná, de nome Ivo Bitencourt. Dono de uma lucidez admirável era um grande contador de histórias. Foi ele que me passou a história abaixo.
UM CONTO PARANAENSE
Lá pelos anos 50, 60, Josivaldo era um veterinário especializado em rebanhos e atendia muitas fazendas da região de Ponta Grossa. Tinha uma agenda organizada, de modo que passava um dia por mês em cada propriedade. Examinava o rebanho, receitava remédios e orientava os fazendeiros no trato de seu gado. Um de seus clientes, famoso por sua grossura, era casado com uma bela mulher e, no seu rebanho tinha um bezerro guacho. Isso mesmo: guacho. Guacho é um filhote que foi criado sem a mãe. Geralmente, um animal assim não se desenvolve, torna-se fraco, e requer cuidados especiais. Por consequência, seu valor de mercado é muito baixo. Era dia de visitar o dito fazendeiro. Chegado à fazenda, foi recebido pela dona da casa, muito solícita. Avisou Josivaldo que o marido não estava, mas devia aguardar a chegada do marido. Após um lauto café em bela companhia, Josivaldo vistoriou o rebanho, deu uma atenção especial ao bezerro guacho, muito fraco. A bela mulher confidenciou que o marido queria vender o guacho por quinhentos reais. Após isso, a esposa do fazendeiro foi tratar do almoço e Josivaldo ficou por ali, conversando com a mulher. Almoçaram juntos, sempre conversando agradavelmente. Mas a beleza provocou uma inquietação em nosso protagonista, que perdeu o senso e derramou elogios à formosura da moça, sendo cada vez mais incisivo, de modo que a mulher, muito correta, ficou constrangida. Mas permaneceu firme, dando um ou outro sorriso sem graça. Josivaldo interpretou erroneamente as reações da prenda e terminou por declarar que adoraria dormir com ela, nem que fosse uma vez só. Demonstrando uma classe em seu comportamento, a moça foi contornando a situação, fingindo que não havia entendido. Em nenhum momento foi áspera com Josivaldo, sempre o tratando de “doutor”, enquanto limpava a casa e preparou o jantar, que normalmente sai às 17 horas nas áreas rurais. Josivaldo repetira várias vezes sua intenção e, cada vez mais à vontade, aguardava uma resposta positiva. A chegada do marido, um homem enorme, musculoso, agressivo, cortou suas palavras. Chegou, perguntou se a janta estava pronta, se a mulher havia tratado o doutor direito, etc.. Conversou sobre seu gado e Josivaldo, solícito e tremendo de medo, respondeu suas perguntas. E teve consciência da besteira que havia cometido. O homem era uma fera, só de olhar dava medo. E a mulher o amava.
Sentaram à mesa de jantar, Josivaldo no canto da parede e o homem do seu lado. Terminado o jantar, passou-se o diálogo abaixo:
-“Marido, o doutor me fez uma proposta.”, comentou a mulher.
-“Comadre, não tive a intenção maiores!” respondeu Josivaldo, apavorado.
-“Doutor, o senhor falou e acho que meu marido precisa saber!”, insistiu a bela mulher.
-“Comadre, por favor, esqueça o que falei, o compadre pode não gostar!”, já em desespero.
-“Mas o que está acontecendo? Quero saber já do que vocês estão falando!”, disse o marido, bravo e com a voz alterada.
-“O doutor Josivaldo quer comprar o guacho!”.
-“E pago dois mil reais!”, Josivaldo exclamou, quase se mijando de alívio.
Pagou o fazendeiro, embarcou o guacho na camionete, e se foi.
Nunca mais voltou à fazenda.
Paulo Miorim
26/12/2016