O SPIDER

Parei para ver melhor a coisa que se mexia, pendurada no meio de um poste de luz, do outro lado da rua. Grande demais para um gato, rápido demais para um bicho preguiça. Um leão também não poderia ser, cogitei, sem muita certeza. Um grupo de turistas, mais próximo do local, também parou para ver do que se tratava. Atravessei a avenida e me juntei a eles. Enfim, compreendemos. O Spider dava um pequeno show para ninguém àquela hora da noite, numa esquina deserta e perigosa da cidade. Agarrado ao poste com uma mão só, a guisa de uma dançarina de "pole dance", ele serpenteava o corpo, apontando com o indicador um conjunto de edifícios que bloqueavam a vista para o calçadão à beira-mar. Enquanto o aracnídeo prosseguia o seu espetáculo, sem nos dar a menor atenção, o Trem da Fantasia anunciava a sua passagem, a três quarteirões de onde estávamos. Junto ao trem, outros super-heróis entretinham crianças de idades variadas, ao som de um funk engodado por vozes infantis. De longe se via o Batman correndo pela calçada, na mesma velocidade dos vagões, a fazer a sua graça para transeuntes solitários, gente escondida em pontos de ônibus mal iluminados ou casais recém-saídos dos restaurantes circunvizinhos, para depois, num salto, voltar à locomotiva em movimento. A Mulher Maravilha, mais contida, improvisava uma coreografia seguida por algumas mães animadas por caipiruvas já aguadas e quentes. À medida que o trem se aproximava, o Spider ia imprimindo mais velocidade, lascívia e agressividade aos seus movimentos. “Está levando um choque”, arriscou um dos turistas, considerando a pouca distância entre o Spider e a fiação do poste. “Vai saltar dali para o toldo do trem. Talvez sobreviva”, pensei, torcendo para que a cena se desenrolasse logo. Os demais membros do nosso pequeno grupo também esperavam daquele personagem algo ao mesmo tempo insólito, corajoso e arriscado. Um salto mortal triplo. Um esguicho potente de teias saindo do punho, seguido de um vôo intrépido em direção a algum ponto de um dos vagões. Crianças sorrindo. Crianças gritando. A cidade, o mundo, a história mudando o curso depois do que estava para acontecer. O trem finalmente passou ao nosso lado, mas o Spider continuou junto ao poste, desta vez meneando a cabeça num giro de 180º. Não notou, tampouco foi notado pela plateia do trem, nem pelos outros super-heróis tresloucados que roubavam nossas atenções. A locomotiva foi avançando pesada, sacolejada pela batida sincopada do funk, até virar à esquerda, retornando à avenida principal. Depois, foi como se uma bolha estourasse sobre nossas cabeças, lançando sobre nós um estado de coisas incompreensível, tenso, hermético. Voltamos os olhos ao poste, naquele ponto em que o Spider se exibia. Não estava mais lá. Havia descido e agora se encontrava na calçada, à beira do asfalto, parado, falando algo inaudível para si mesmo. Era pequeno e franzino. Tinha um corpo leve como um emaranhado de teia. Foi caminhando, lento, a cabeça levemente inclinada para baixo, rumo a uma banca de revistas prestes a fechar. Lá comprou alguma coisa e foi embora, seguido a poucos passos pelo dono da banca, sem olhar para trás ou para os lados. “Bom, deixa pra lá”, concluí, seguindo, a despeito do hábito, o caminho mais longo de volta pra casa.

João Pegado
Enviado por João Pegado em 25/12/2016
Reeditado em 25/12/2016
Código do texto: T5862861
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