O GOLPE POR TRÁS DO GOLPE

Pela indisfarçável alegria dos caciques das indústrias e o estampado contentamento dos tubarões dos bancos e dos caudilhos do latifúndio com o anúncio dos pacotes do pretendente Temer e os seus sinistros da área econômica – os quais perdoam dívidas bilionárias, liberam bancos à especulação rentista, reduzem ao mínimo a proteção do Estado aos empobrecidos e acaba com direitos trabalhistas e previdenciários –, fica mais claro que o sol do Equador: não se trata de um golpe ou uma luta entre dois políticos ou dois ou três partidos; mas entre duas classes: a dos que possuem os meios de produção (patrões) e a dos que vendem (conforme a lei da oferta e procura) sua força de trabalho (operários).

De fato, como sempre rebateu o pretendente Temer, a cassação da presidente eleita sem a comprovação de corrupção ou dolo não foi um golpe, mas a preparação do caminho para ele; o golpe mesmo, ou seja, o desmonte do Estado viria em sequência na esteira de PECs, MPs e deformas aterradoras, escabrosas, costuradas em detalhes com todas as forças articuladoras do pré-golpe, dissimuladamente intitulado impedimento.

De fato, a elite não é assim chamada por acaso. O termo, cuja etimologia é de origem francesa, pode ter como sinônimos vocábulos como: escolha, seleção, nata ou simplesmente a fina flor, o que existe de melhor entre determinada espécie.

Sendo assim, “os escolhidos” não assistiriam passivamente o estreitamento progressivo e contínuo do abismo que, desde o surgimento do capital excedente, os mantém a salvo, seguros, livres dos riscos de qualquer contaminação ao ocorrer uma aproximação entre estes e os intocáveis.

Certamente a casta dos xátrias, com o apoio declarado de grande parte dos novos brâmanes, reagiria; e reagiu...rápida, precisa e, até agora, mui eficazmente, como é de se esperar uma reação daqueles que receberam dos deuses a incumbência de conduzir os destinos do restante do mundo, ou seja, dos miseráveis, incautos e intocáveis párias.

O que vemos hoje no Brasil não é apenas uma contenda comum entre duas ou três personalidades políticas ou partidos pelo controle do poder central, embora isso faça parte do conjunto geral. Por trás do que parece óbvio, há outra obviedade ainda. O que estamos a vivenciar em solo tupiniquim é a luta pela prevalência entre duas ideologias, duas compreensões de mundo, duas visões de Estado, dois projetos de sociedade. Em um (que prevaleceu na primeira década do Séc. XXI), a Política regula a Economia, e o Estado existe para servir à sociedade. No outro (que prevalece desde Cabral – o português, não o carioca), a Economia é quem regula a Política, e o Estado existe não para servir à sociedade, mas para servir-se dela.