Saco de Pancada
SACO DE PANCADA
Apesar de ter me ausentado por menos de 30 (trinta) dias do Portal Delta, sinto – me enferrujada. Sem saber o que escrever o que dizer para meus leitores que tão bem acolhem minhas crônicas. Primeiro preciso explicar o motivo da ausência. Questões de ordem profissionais absorveram todo o meu tempo me privando até de fazer o que mais me deleita: escrever minhas divertidas histórias para fazer rir e relaxar. Depois precisamos refletir juntos sobre está palavra “enferrujada”. O que significa mesmo? Conforme o dicionário “Aurélio”, enferrujada significa oxidar, fazer perder a destreza o vigor, emperramento das articulações. Pois é exatamente está falta de destreza que está me faltando para deixar cair às palavras no papel e formar um conjunto que traga os efeitos das Histórias de Marilu que foram tão bem acatadas por todos que leram.
Pois bem, nestas idas e vindas nesta missão correlacionada a minha profissão, percorri mais de dois mil e seiscentos quilômetros de estradas, entre idas e vindas de Parnaíba a Capital.
Viajo sempre na cadeira número 03 e compro passagem com antecedência para garanti-la. Quando é possível adequar a viagem ao horário do transporte executivo, a viagem é silenciosa e se é de dia leio e se à noite durmo. Mas nesse quase um mês, viajei em todos os horários e aprendi muito com a filosofia dos condutores desses utilitários veículos.
A camisa social e a gravata imbui o motorista da sua responsabilidade e postura diante dos clientes. E comandar os passageiros parece um “status”, pelo menos naquele momento o seu papel é mais importante do que o doutor, o advogado, o professor. Qualquer passageiro ali sentado está à mercê do condutor.
Mas a história que interessa começa agora, quando passo a relatar uma viagem no horário de 16:00 horas, que além do condutor um outro motorista auxiliava na recepção dos passageiros que adentravam de meio em meio quilometro e se espalhavam nas cadeiras vagas que eram quase a metade do ônibus para descer a pouco metros de distância.
Sentado nos degraus do transporte coletivo o motorista/ ajudante jogava conversa fora, com o que conduzia o veículo. O diálogo era em torno da profissão que exerciam. Entre tantas histórias contadas, ouvi o relato de um pai que não queria mostrar o documento de paternidade do filho menor, por ocasião de uma viagem. Destratando o profissional que apenas cumpria o seu dever. A mulher que insistiu para o motorista abrir o bagageiro para por uma sacola de mão quando o carro já estava quase de partida.
E lamentavam: nossa profissão parece ser mais um saco de pancada. Todo mundo chega aqui cheio de problemas e sobra para o motorista. Um quer o ar mais gelado o outro manda aumentar a temperatura. Um quer que ligue o vídeo o outro quer dormir. Um quer demorar 15 minutos para lanchar o outro reclama da demora.
Entre uma conversa e outra uma filosofia: O sucesso não depende da inteligência, mas da oportunidade. Tem muita gente inteligente que não teve oportunidade e muita gente medíocre que aproveitou uma oportunidade e venceu. E eu cá com meus botões indagava-me: onde fica o axioma: quem sabe faz a hora não espera acontecer?
E o relato das estradas? Mais esburacadas do que aquela que estávamos trafegando (Rodovia Estadual que passa por Barras e José de Freitas). O risco corrido em virtude dos animais. Os assaltos. O transtorno quando inesperadamente eram trocados de rotas de serviços. A defasagem do salário que de cinco passou para pouco mais de dois e meio.
E entre os abusos de passageiro relatou ainda o que abanou a cara do motorista, reclamando do veículo como se o empregado da empresa fosse o dono da frota de ônibus e responsável pela conservação do transporte. Orgulhava-se de ser um advogado, de ser importante e de ter mais valor do que o condutor. Batia no peito e falava veemente, eu sou advogado como o motorista tivesse que beijar seus pés por isso. E foi então que ele se lembrou de contar a história para o companheiro.:
- Rapaz, sabe o João Carlos aquele motorista que tem a cabeleira branca?
- Sim, ele é muito educado, honesto, respeitador, que tem ele?
- A filha do João se formou em Direito. Passou na OAB e é uma excelente advogada. Convidou o pai para assistir um julgamento em que ela era defensora do réu.
- Imagino o orgulho dele.
- É, e ela ganhou a causa. E quando terminou perguntou: Pai o que você achou da minha defesa?
- Ele olhou para a filha e disse: minha filha esforcei-me para você cursar o ensino fundamental, o ensino médio e a faculdade. Fiz todo esse esforço para ver você mentir veemente para defender um criminoso, um homem sem caráter e perigoso para sociedade. Não me convide mais para uma cena como essa.
E disse que saiu dali vaidoso de sua profissão.
Ele sim, pode bater com orgulho no peito e dizer:
EU SOU MOTORISTA.