Histórias dos Tempos em que eu Fumava
Texto bem antigo, publicado em 2012 no blog Quiosque do Pastel, de Lu Cavichioli
Sou ex-fumante. Acho que nunca fui realmente viciada em cigarros, mas houve uma época em minha vida, na qual eu fumei; aliás, duas épocas diferentes. Vou falar da primeira, pois foi mais engraçada.
Meu pai, "Seu" Silvio, era considerado um pai durão, e nossos amigos meninos morriam de medo dele, embora dissessem que era só respeito. Minha irmã, nossos amigos e eu, brincávamos na rua até escurecer, e quando meu pai chegava do trabalho, logo ralhava: "Ester e Ana, já para casa!" Podíamos estar jogando bola, pique-altinho, queimado ou fosse o que fosse, assim que víamos meu pai apontar lá na curva, os meninos paravam tudo o que estavam fazendo e sentavam-se quietinhos, no muro da Alemã (que já foi personagem em uma série que escrevi e publiquei no meu blog, "As Aventuras de D. Iraci e Dona Nena, "As Aventuras de D. Iraci e D. Nena"). Meu pai passava por nós, e todo mundo: "Boa noite, "Seu" Silvio!
Bem, um dia, alguém apareceu com um cigarro. A partir daquele dia, quem fumava, era 'legal', e quem não fumava, era 'otário.' Eu não queria ser otária, e comecei a fumar. Naquela época eu tinha uns onze anos, e minha irmã dezesseis. No início, eu apenas dava umas baforadas sem tragar nos cigarros dos outros, só para entrar na onda; mas logo alguém percebeu que eu não tragava. "Tu não traga?" E eu, que nem sabia o que era aquilo, aprendi naquele dia. Fiquei muito tonta e um pouco enjoada.
Eu comprava cigarros à varejo no bar do Sr. Manoel, que não contava para nosso pai porque dizíamos que os cigarros eram para o nosso irmão. Eu gostava dos mentolados e do cigarro Charm, que era fino e tinha rosinhas desenhadas no filtro. Pensando bem, acho que o Sr. Manoel sabia que os cigarros não eram para meu irmão, pois duvido que ele acreditasse que meu irmão fumava cigarros que tinham rosinhas desenhadas no filtro.
Eu adorava os sábados pela manhã, quando minha outra irmã mais velha, A Dal, saía para fazer compras no mercado com meus pais, e eu ficava em casa sozinha. Pegava meu cigarrinho Charm, dentro do meu armário cuja porta era decorada do lado de dentro com fotos e posters do Queen e adesivos do Yes, rodava um rock na vitrola e, sacando meu diário secreto, acendia meu cigarrinho e tirava a maior onda comigo mesma... escrevia mil histórias...
Um dia, durante a semana, eu peguei um cigarro Hollywood ( pois tinha acabado o Charm no boteco do Sr. Manoel) e fui para o bambuzal que tinha atrás da casa, para fumar. Disse a mim mesma: "Desta vez, vou tragar todas!" Assim eu fiz. Já estava na hora de mostrar que eu era mesmo uma menina esperta, durona e antenada. Traguei tudo e acendi outro cigarro, mas tinha que ser rapidinho, antes que minha mãe desse falta de mim. E ela deu.
Quando eu estava totalmente zonza e muito enjoada, ouvi-a gritar meu nome. Saí lá do bambuzal tentando aparentar naturalidade, mas ela sentiu o cheiro da fumaça, e perguntou o óbvio: "Ana, você estava fumando?" E sem ter como negar, já quase vomitando, eu assumi: "É Hollywood, mãe." Mas não teve jeito: vomitei a noite toda. Ela nem contou nada a meu pai, pois achou que eu nunca mais colocaria um cigarro na boca.
Ela estava enganada.
Uma vez, na fila do cinema, eu estava lá com meus amigos, cigarrinho na mão, cabelão comprido e liso tapando um dos olhos, calça Saint Tropez e cara de malvada, quando alguém alertou: "Deu zebra! Lá vem o "Seu" Silvio!" Tarde demais: ele já tinha me visto com o cigarro na mão. Ele chegou perto, e fez a mesma pergunta que minha mãe fizera alguns dias antes, embora estivesse diante do óbvio: "Ana, você está fumando?" E eu, na maior cara-de-pau: "Não, pai, só estou segurando o cigarro para o meu amigo, que foi ao banheiro." E meu pai, para não se aborrecer: "Ainda bem. Eu te dei dinheiro para comprar um doce, não para comprar cigarro."
Ah, como eram boas as festinhas em que a gente juntava os cigarrinhos que tínhamos e dividíamos uns com os outros!
Em uma destas festas, um colega nosso decidiu enganar um outro, que se gabava de estar fumando maconha: pegou um papelzinho de cigarro e enrolou-o com Mate Leão, e deu para ele, que fumou e disse ter ficado "doidão." A gente fazia muitas dessas experiências, de pegar papel de cigarro e fumar algumas ervas alternativas, como mate e chá-preto. Sei que alguns realmente fumavam maconha, mas eu nunca fumei. E quem fumava maconha, não oferecia para a gente.
Íamos para o cinema, naquela época distante em que os vídeo-cassetes nem sequer pensavam em ser inventados, e apostávamos uns com os outros quem conseguiria fumar dentro do cinema sem ser pego pelo lanterninha. Fumar dentro do cinema era proibido. Acendíamos os cigarros, e quando o lanterninha se aproximava, atraído pelo cheiro da fumaça, a gente começava a balançar o cigarro freneticamente, para evitar que se formasse a fumaça. Quando éramos pegos, às vezes o lanterninha nos pedia para apagá-los, e noutras, nos colocava para fora do cinema.
Uma vez, uma senhora nos denunciou ao lanterninha, pois além de fumar, um amigo nosso estava brincando de dar arrotos altíssimos durante o filme. Éramos um grupo de doze meninos e meninas, no Cinema Casablanca, onde também funcionava um hotel de luxo, e era considerado bastante elitizado. Ela apontou para as nossas fileiras (ocupávamos uma fileira e meia) dizendo: 'São todos estes aqui!"
Os que estavam na fileira da frente foram convidados a se retirarem. Logo depois, nós que estávamos na fileira de trás saímos também, pois a aventura perdeu a graça.
Fumar, para mim, era provar que eu era adulta, madura. Significava ter um segredo. Uma coisa para fazer quando os adultos não estivessem olhando. Além de tudo, fumar é gostoso. Não fumo mais, pois descobri que as pessoas que são realmente 'espertas' e 'antenadas,' não fumam. Hoje em dia todo mundo sabe dos perigos e inconveniências do cigarro. Antigamente, alguns médicos até receitavam cigarros aos seus pacientes, para que se acalmassem. Era moda. As pessoas não sabiam direito o que estavam fazendo.
Até que de repente, começou todo mundo a morrer de câncer no pulmão. Começaram a pesquisar, e a divulgar os perigos oferecidos pelo cigarro. Acabou-se a época dourada, quando os cigarros significavam a escolha certa, o voo de liberdade, a opção inteligente e mania de levar vantagem em tudo... embora esta última ainda esteja por aí.
Texto bem antigo, publicado em 2012 no blog Quiosque do Pastel, de Lu Cavichioli
Sou ex-fumante. Acho que nunca fui realmente viciada em cigarros, mas houve uma época em minha vida, na qual eu fumei; aliás, duas épocas diferentes. Vou falar da primeira, pois foi mais engraçada.
Meu pai, "Seu" Silvio, era considerado um pai durão, e nossos amigos meninos morriam de medo dele, embora dissessem que era só respeito. Minha irmã, nossos amigos e eu, brincávamos na rua até escurecer, e quando meu pai chegava do trabalho, logo ralhava: "Ester e Ana, já para casa!" Podíamos estar jogando bola, pique-altinho, queimado ou fosse o que fosse, assim que víamos meu pai apontar lá na curva, os meninos paravam tudo o que estavam fazendo e sentavam-se quietinhos, no muro da Alemã (que já foi personagem em uma série que escrevi e publiquei no meu blog, "As Aventuras de D. Iraci e Dona Nena, "As Aventuras de D. Iraci e D. Nena"). Meu pai passava por nós, e todo mundo: "Boa noite, "Seu" Silvio!
Bem, um dia, alguém apareceu com um cigarro. A partir daquele dia, quem fumava, era 'legal', e quem não fumava, era 'otário.' Eu não queria ser otária, e comecei a fumar. Naquela época eu tinha uns onze anos, e minha irmã dezesseis. No início, eu apenas dava umas baforadas sem tragar nos cigarros dos outros, só para entrar na onda; mas logo alguém percebeu que eu não tragava. "Tu não traga?" E eu, que nem sabia o que era aquilo, aprendi naquele dia. Fiquei muito tonta e um pouco enjoada.
Eu comprava cigarros à varejo no bar do Sr. Manoel, que não contava para nosso pai porque dizíamos que os cigarros eram para o nosso irmão. Eu gostava dos mentolados e do cigarro Charm, que era fino e tinha rosinhas desenhadas no filtro. Pensando bem, acho que o Sr. Manoel sabia que os cigarros não eram para meu irmão, pois duvido que ele acreditasse que meu irmão fumava cigarros que tinham rosinhas desenhadas no filtro.
Eu adorava os sábados pela manhã, quando minha outra irmã mais velha, A Dal, saía para fazer compras no mercado com meus pais, e eu ficava em casa sozinha. Pegava meu cigarrinho Charm, dentro do meu armário cuja porta era decorada do lado de dentro com fotos e posters do Queen e adesivos do Yes, rodava um rock na vitrola e, sacando meu diário secreto, acendia meu cigarrinho e tirava a maior onda comigo mesma... escrevia mil histórias...
Um dia, durante a semana, eu peguei um cigarro Hollywood ( pois tinha acabado o Charm no boteco do Sr. Manoel) e fui para o bambuzal que tinha atrás da casa, para fumar. Disse a mim mesma: "Desta vez, vou tragar todas!" Assim eu fiz. Já estava na hora de mostrar que eu era mesmo uma menina esperta, durona e antenada. Traguei tudo e acendi outro cigarro, mas tinha que ser rapidinho, antes que minha mãe desse falta de mim. E ela deu.
Quando eu estava totalmente zonza e muito enjoada, ouvi-a gritar meu nome. Saí lá do bambuzal tentando aparentar naturalidade, mas ela sentiu o cheiro da fumaça, e perguntou o óbvio: "Ana, você estava fumando?" E sem ter como negar, já quase vomitando, eu assumi: "É Hollywood, mãe." Mas não teve jeito: vomitei a noite toda. Ela nem contou nada a meu pai, pois achou que eu nunca mais colocaria um cigarro na boca.
Ela estava enganada.
Uma vez, na fila do cinema, eu estava lá com meus amigos, cigarrinho na mão, cabelão comprido e liso tapando um dos olhos, calça Saint Tropez e cara de malvada, quando alguém alertou: "Deu zebra! Lá vem o "Seu" Silvio!" Tarde demais: ele já tinha me visto com o cigarro na mão. Ele chegou perto, e fez a mesma pergunta que minha mãe fizera alguns dias antes, embora estivesse diante do óbvio: "Ana, você está fumando?" E eu, na maior cara-de-pau: "Não, pai, só estou segurando o cigarro para o meu amigo, que foi ao banheiro." E meu pai, para não se aborrecer: "Ainda bem. Eu te dei dinheiro para comprar um doce, não para comprar cigarro."
Ah, como eram boas as festinhas em que a gente juntava os cigarrinhos que tínhamos e dividíamos uns com os outros!
Em uma destas festas, um colega nosso decidiu enganar um outro, que se gabava de estar fumando maconha: pegou um papelzinho de cigarro e enrolou-o com Mate Leão, e deu para ele, que fumou e disse ter ficado "doidão." A gente fazia muitas dessas experiências, de pegar papel de cigarro e fumar algumas ervas alternativas, como mate e chá-preto. Sei que alguns realmente fumavam maconha, mas eu nunca fumei. E quem fumava maconha, não oferecia para a gente.
Íamos para o cinema, naquela época distante em que os vídeo-cassetes nem sequer pensavam em ser inventados, e apostávamos uns com os outros quem conseguiria fumar dentro do cinema sem ser pego pelo lanterninha. Fumar dentro do cinema era proibido. Acendíamos os cigarros, e quando o lanterninha se aproximava, atraído pelo cheiro da fumaça, a gente começava a balançar o cigarro freneticamente, para evitar que se formasse a fumaça. Quando éramos pegos, às vezes o lanterninha nos pedia para apagá-los, e noutras, nos colocava para fora do cinema.
Uma vez, uma senhora nos denunciou ao lanterninha, pois além de fumar, um amigo nosso estava brincando de dar arrotos altíssimos durante o filme. Éramos um grupo de doze meninos e meninas, no Cinema Casablanca, onde também funcionava um hotel de luxo, e era considerado bastante elitizado. Ela apontou para as nossas fileiras (ocupávamos uma fileira e meia) dizendo: 'São todos estes aqui!"
Os que estavam na fileira da frente foram convidados a se retirarem. Logo depois, nós que estávamos na fileira de trás saímos também, pois a aventura perdeu a graça.
Fumar, para mim, era provar que eu era adulta, madura. Significava ter um segredo. Uma coisa para fazer quando os adultos não estivessem olhando. Além de tudo, fumar é gostoso. Não fumo mais, pois descobri que as pessoas que são realmente 'espertas' e 'antenadas,' não fumam. Hoje em dia todo mundo sabe dos perigos e inconveniências do cigarro. Antigamente, alguns médicos até receitavam cigarros aos seus pacientes, para que se acalmassem. Era moda. As pessoas não sabiam direito o que estavam fazendo.
Até que de repente, começou todo mundo a morrer de câncer no pulmão. Começaram a pesquisar, e a divulgar os perigos oferecidos pelo cigarro. Acabou-se a época dourada, quando os cigarros significavam a escolha certa, o voo de liberdade, a opção inteligente e mania de levar vantagem em tudo... embora esta última ainda esteja por aí.