Assim ou ...nem tanto 75
O Pássaro
Quem se perde, acha outro caminho, disse, sem dizer, o pássaro. E uma e outra vez voou baixo, rasando o meu cabelo, elevando-se até ficar um ponto no céu e voltar até ao chão como se, também ele, voasse por voar ali. “Quem não sabe onde quer ir, qualquer caminho serve”, disse sem dizer, o meu pensamento fingindo-se ave. Só depois, um passo de cada vez, me afastei da angústia que é ficar perdido, imóvel, sem bússola. Andando me afastava, sem perceber, do passado. As pernas, agora mais fortes, saiam dos calções curtos cobertas de pelos, os braços avançavam puxando o corpo para outro lugar e a cabeça, já distante, urdia insuspeitados lugares para seguir como se, qual ave, pudesse ver do alto o itinerário ideal. Muitos erros depois, dei comigo mais alto, mais capaz de vencer enganos, mais apto à tolerância. E o caminho que agora descobria, que andando fazia, pelo pássaro soube que não era o do começo, nem o do vacilante caminhar da insegurança, nem o da procura. Sempre que alguma coisa de diferente nos serve na perfeição esquecemos a que havíamos perdido. O mundo é um emaranhado de caminhos e todos chegam onde a nossa vontade quer ir. Podemos tardar um pouco mais, regredir, contornar, atravessar mas, um dia, sem quase darmos por isso, chegamos. Conhecemos o lugar, a pessoa, o nosso modo de estar. E, a seguir, disse o pássaro, temos tudo: caminho, cidade, casa e amor. Tu és a prova de que é verdade.