O Deus Ter, o Deus Poder, o Deus Ostentação

Muito se tem propalado sobre as duras críticas desferidas pelo Papa Francisco à cúpula da Igreja Católica, em relação a comportamentos que classifica como “doenças”, citando a síndrome do acúmulo de bens, o lucro mundano, o mal do poder e do narcisismo, a síndrome da imortalidade, etc.

O Pontífice, certamente, tem suas razões para alertar os líderes religiosos sobre práticas que vão de encontro aos ensinamentos do Evangelho. E ao tornar público seu ponto de vista e seus ensinamentos, não deixa de transmitir indiretamente um recado a toda a humanidade, para que revejam seus conceitos e seus comportamentos, que cada vez mais revelam o afastamento do Deus Divino e uma aproximação de um deus mundano, representado pelo dinheiro e pelo poder.

Mal comparando, mas observando a realidade que infelizmente norteia a vida de muitos dos que professam a fé cristã, as três pessoas da Santíssima Trindade, o Deus Pai, o Deus Filho e o Deus Espírito Santo, aos poucos estão sendo substituídas pela trindade mundana, que são o “deus ter”, o “deus poder” e o “deus ostentação”.

Sem perceber, muitas pessoas divinizam o ter, ao se tornarem escravas do dinheiro e perseguidoras do lucro a qualquer custo, abrindo mão do lazer, da amizade e do convívio familiar, em nome do acúmulo de bens e do aumento da fortuna. É comum esse tipo de gente não se dá conta do que possui e achar que está sempre no sufoco e propenso a perder tudo, se não cuidar do que tem, diuturnamente. No vocabulário dessas pessoas não existe o verbo compartilhar, principalmente com relação aos seus bens, sendo em vão pedir qualquer tipo de ajuda, pois o egoísmo não lhes permite a prática da solidariedade e da partilha.

Há ainda pessoas que não se contentam em adorar somente o “deus ter” e buscam também proteção do “deus poder”. Não se trata daquele poder meritório, alcançado como reconhecimento pelas competências e habilidades demonstradas ao longo de uma carreira, com esforço, honestidade e comprometimento. Muito pelo contrário, o poder “divinizado” é buscado a qualquer custo, não importando quais os meios utilizados, valendo qualquer tipo de artifício, por mais ilícito que possa parecer ou por mais que alguém possa ser prejudicado ou preterido, através da mentira, da calúnia, da fofoca, da injustiça, dentre outros subterfúgios. É muito temerário viver sob o domínio desse tipo de gente, pois seu único compromisso é com o egoísmo, a vaidade e o narcisismo, provocando todo tipo de desordem e conflitos em desfavor da sociedade.

Não menos nociva, a terceira pessoa dessa trindade mundana, o “deus ostentação” vem complementar as duas anteriores, no que diz respeito ao usufruto da riqueza acumulada, associada ao poder adquirido, quando o indivíduo não mede esforços para demonstrar sua superioridade, exibicionismo e vaidade, através de coisas fúteis e agindo de forma acintosa, não importando a perversa realidade existente em volta de si, que poderia ser amenizada, se fosse capaz de empreender ações mais humanitárias. Não se pode criticar, no entanto, que alguém usufrua de seus bens, conquistados de forma honesta e laborativa, para satisfação de suas necessidades, em prol de uma vida digna e em nome do conforto e do bem-estar, sem esquecer, contudo, valores como simplicidade, humildade e amor ao próximo, pois isto também está no plano do verdadeiro Deus.

Diante de tudo isto, cabe a cada cristão que ainda não se contaminou com os apelos das falsas divindades, tornar-se um verdadeiro discípulo do bem, entoando seu grito o mais alto que poder, catequizando pelo bom exemplo, cultuando as boas práticas e mostrando que é possível, sim, acumular bens sem ser refém deles e exercer o poder sem opressão ou tirania, focando a prática da justiça social e do bem comum, pois o limite entre o céu e o inferno não tem relação com riqueza ou pobreza, com o ter ou o poder, mas com a forma como cada um exerce sua condição de vida, na qualidade de ser humano portador do livre arbítrio e com plena liberdade para escolher entre o bem e o mal, o certo e o errado, o legal e o ilegal. Todavia, é preciso fazer essas escolhas de forma sábia e consciente, cabendo aí o papel catequizador e evangelizador que vem sendo exercido, com muito louvor e propriedade, pelo Papa Francisco, que deve ser imitado por outros líderes religiosos e voluntários do mundo inteiro, para que a ignorância não venha a ser a grande vilã da falta de conversão, capaz de arruinar o destino das atuais e futuras gerações. É imperioso e urgente que se promova uma inversão desses valores, onde o ter ceda lugar ao ser, o poder seja exercido com liderança e altruísmo e a ostentação seja substituída e superada pela simplicidade.

AFBRITO
Enviado por AFBRITO em 20/12/2016
Reeditado em 18/12/2017
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