Fabricadores de Narcisos
Aqueles que dizem que se amam em primeiro lugar, antes de toda e qualquer pessoa, são uma fraude. São narcisos forjados, narcisos à força e por isso fecham os olhos para não verem quem são.
Ninguém pode estar assim tão apaixonado por si mesmo. Simplesmente não é possível ter esse grau de inebriamento sobre a nossa pessoa. Porque é impossível afastar completamente um olhar lúcido acerca da personalidade que nos calhou em sorte.
Cada ser humano é um poço de defeitos. O poço do qual conhecemos de ginjeira toda a gota de lama e lodo, todo o tosco calhau, toda a imundice.
A máxima de Sócrates "conhece-te a ti mesmo" poderia ser "pára de fingir que não te conheces!"
Para nos amarmos assim tão apaixonadamente teríamos de cair na ilusão de sermos um poço tapado. O que é simplesmente mentira. Um poço de defeitos pode diminuir mas não pode ser completamente drenado.
Quem se ama a si mesmo como um deus caiu numa ilusão monumental. Ou numa fraude. Provavelmente perpetrada por si mesmo. Mas possivelmente, com todo esse mercado de auto-ajuda a celebrar o narcisismo, com um empurrão de outrem.
Quem souber olhar para dentro de si mesmo, quem se conhecer, sabe que não pode amar-se acima de qualquer pessoa. Porque nunca conhecemos os defeitos dos outros tão bem como os nossos. Logo vamos sempre ser confrontados com pessoas melhor que nós. Ou que, pelo menos aos nossos olhos, parecerão melhores que nós. E isso não tem mal nenhum.
Tentemos então, (isso deviam ensinar os fabricadores de narcisos), apesar dos defeitos, apesar desse olhar lúcido e implacável sobre quem somos, ser o nosso principal aliado.
Assumir tudo o que de mau carregamos na bagagem e, ainda assim, estar de pedra e cal ao nosso lado. Não é passar paninhos quentes quando erramos. Antes pelo contrário, temos de esmiuçar as falhas. Para melhorar.
É preciso aceitar quem somos, como somos. Ter a coragem de perceber que não somos grande espingarda.