Carta para minha netinha! (2)

Cartas para minha netinha! (2)

Valentina,

Eu sei que você chega para o Natal. Eu sei. Mas, não aguento esperar, vou contar hoje mesmo. Você não vai acreditar. A Perdida está gostando perdidamente de duas Anas. A Aninha e a Ana Elise. Aninha é a filha da Cida, nossa vizinha de fazenda. Quando ela chega a Perdida fica todo serelepe, pula no colo dela, deita, vira as perninhas para cima, deixando ela coçar, tirar carrapatos... sua outra paixão, é pior. Está morando lá na fazenda. A Perdida fica o dia inteirinho andando atrás dela, pulando nela, encostando nela. A Ana Elise é uma menininha bonitinha, clarinha igual a você, só que tem o cabelinho loirinho cacheado. Um dia, se a mãe dela deixar, tiro uma fotografia e mando para você conhecer. Acho que ela tem uns quatro anos. Ela não vai para a escola. Você vai porque você mora na cidade grande e sua mãe trabalha fora. A mãe dela mora na fazenda e trabalha na fazenda, então a Ana Elise pode ficar com ela, enquanto é pequena. A sua mãe fica com você nos fins de semana, de noite, nas férias e nos dias em que não trabalha!

Valentina, estou muito triste. Meu amigo, e o mais triste, fiquei sabendo dois dias depois, ele tão sincero, companheiro, amigo, sabe lá porque, talvez para me poupar, não me comunicou, não me avisou, o meu amigo morreu... Valentina, estou muito triste! O Serapião morreu!

Ele era o homem mais valente que eu já conheci cara a cara, o mais forte, pegador de boi bravo à unha seca. Pescador, caçador, laçador e por aí afora. Na região do Arantes não havia quem rivalizasse com ele. Ele tinha um segredo. Um dia me contou. Imagina Valentina, ele tinha um medo parecido com o seu. Você, aos dois aninhos, tem medo de barulho forte: foguete, furadeira, martelete, meu amigo, homem valente, pegador de boi, tem pavor de sapo

Valentina, eu acho que a Ana Elise está me cativando. Hoje cedo, muito antes de receber a notícia que tanto me entristece, ao chegar na Fazenda, logo logo, ela, a Ana Elise, veio, agora parece que consigo entender a sua timidez, com a mãozinha fechada estendida para o meu lado, me entregando alguma coisa. A sua mãe me dava o bom dia e parecia também não compreender o gesto da filhinha. Eu estendi a mão aberta e recebi nela o presente, agora sei, o tesouro de Ana Elise. São duas moedas, uma de 10 e outra de 5 centavos...

Valentina, fale para o papai vir com cuidado. Nada de correria, não precisa pressa. Estou esperando você.

Tchau. Vovô.

Joao dos Santos Leite
Enviado por Joao dos Santos Leite em 18/12/2016
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