Picanhas e aspirinas
No início dos anos 90, quando o grande maestro Tom Jobim ainda era vivo e aquela discussão sobre ser de direita ou de esquerda já não dava mais barato, ouvi de um jovem de dezoito anos a seguinte justificativa para não apreciar a obra desse músico falecido em 08 de dezembro de 1994:
"— Sei lá, a impressão que tenho desse cara é de que ele fica com os amigos dele tomando uísque o tempo todo, fazendo música para esses amigos; é um cara alienado! ”.
Perguntei-lhe, então, se já lhe ocorrera comprar picanha na farmácia e aspirina no açougue. De imediato, ele disse que, apesar de comer um franguinho de vez em quando, se considerava vegetariano e que nunca tivera nenhum problema de saúde. Aí eu lembrei que teria que consertar a descarga do banheiro lá de casa; pedi licença e fui.
Ontem, assisti bastante emocionado ao último programa do Jô Soares na Rede Globo. Após 28 anos de Talk Shows, iniciados no SBT em 1989, ele finalizou sua última temporada entrevistando o Ziraldo, cartunista brasileiro que dispensa comentários.
Jô Soares é o tipo do profissional talentoso e bem-sucedido e com uma experiência de vida artística fantástica que, por isso, é reconhecido, não só aqui no Brasil, mas em todo o mundo.
Entretanto, acredito que, independentemente da minha admiração pessoal pela capacidade cênica do Jô, por sua verve criativa, pela robustez do seu conhecimento em diversas áreas, sua facilidade com línguas; apesar de considera-lo fodástico como apresentador, devo ser pragmático, evitando não o julgar como ser humano, porque simplesmente não o conheço de fato. Nunca fui à casa do Jô; o Jô sequer sabe que sou canhoto.
Quando falamos que admiramos determinado personagem da mídia, seja um cantor ator, apresentador, diretor de telenovela, comediante, BBB..., provavelmente, estejamos apenas querendo dizer que reconhecemos nessa pessoa algum talento específico, algo especial como uma boa voz, um bom ritmo, uma excelente capacidade de argumentar, de improvisar... e não que saibamos a fundo dos seus propósitos ideológicos, que essa pessoa já cometeu pecado, que já esfaqueou alguém, inclusive, saibamos o que ela está pensando nesse exato momento. Não. Nada é tão simples assim; nem a alma humana.
Atualmente e infelizmente, com o anonimato proporcionado pelas redes sociais, associado a uma prévia informação pouco processada, ficou fácil jogar na berlinda o nome de figuras como Chico Buarque, Caetano Veloso, Eduardo Suplicy, José de Abreu, Letícia Sabatella, na maioria das vezes, apenas porque essas pessoas resolveram se pronunciar diante desse ou daquele assunto polêmico; saíram da sua zona de conforto.
Sei, não, acredito que por aí tem muita farmácia vendendo picanha e açougue de montão vendendo aspirina...