A claridade era boa para fazer reconhecimento do terreno. Aproximou-se da lagoa e escutou o tropel de animal de médio porte, fugindo. ‘Que será?’ Daniel não era nenhum expert em reconhecer rastros de animais selvagens, mas conhecia muitos deles, vistos em zoológicos, e pelo tipo do rastro, daria para deduzir de quem era a pata que deixou aquela marca no chão.
A margem da lagoa era de solo argiloso. Seco, ia tornando-se úmido na medida em que estava mais perto da água. Seguiu devagar e se deparou com uma pegada ainda fresca: duas fendas como que perfuradas por uma máquina. E no meio, um pequeno relevo. — ‘Pegadas de porco’. — Um calafrio caminhou em sua espinha dorsal: ‘Porco não, javali.’
Pensou numa arma, para se precaver de eventual ataque. Mas o animal fugira. Então ele, Daniel era o terror.
Cobrou de si mesmo conhecimentos de engenheiro. ‘Que fazer, doutor Daniel?’— ‘Um arco e uma flecha’ — respondeu o doutor Daniel que era ele mesmo.
Arrancou um galho flexível, e quebrando as extremidades com as mão, fez embiras da casca do pau. Torcendo e retorcendo, uma sobre a outra, até formar uma corda de embiras. Atou uma das extremidades, e envergou a vergôntea a ponto de quase se parti-la ao meio. Testou com os dedos, e desaprovou o resultado. A resiliência da corda surtia mais efeito como instrumento musical do que arma. Pôs a tiracolo, e teve medo de entrar na mata fechada, em plena luz do dia.
Deu o primeiro passo. Medroso. Alguma coisa se debatia à beira da lagoa, quase no limite das águas. Avaliou o porte do animal, e arriscou aproximar-se. Era uma ave atolada, com os pés presos na lama, até a altura das coxas. Pegou-a. A ave se fez de morta. Ele afrouxou a mão. Pouco. E por pouco não perdeu a caça. Pressionou-a levemente. Ela tornou fingir-se morta. Com cuidado, pegou uma ponta de embira, e amarrou os pés da codorniz. Depois, fez o mesmo com as asas, ligeiramente flexionadas para cima. Desceu a encosta, levando o arco que não servia para nada, e uma ave perdiz, suficiente para saciar a fome de duas pessoas adultas.
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Adalberto Lima - Estrada sem fim...
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