Sal da Idade
Há palavras que parecem iguarias de um cardápio, por exemplo, “saudade”. Lembra uma sobremesa que se comeu e cujo paladar permanece na boca. Talvez porque quando se come, come-se aos bocados: SAU-DA-DE. Isto me fez lembrar de cozinheiras que colocam pitadas de sal em doces e quando indagadas pelo motivo de o fazerem respondem: “põe-se pitadas no doce para puxar o açúcar”.
Saudade: palavra bonita, mas que desperta certa melancolia. Há um quê de dor e outro de amor.
Saudade.
A saudade sempre mexeu comigo. Chegou a um ponto que tive que exorcizá-la: ou eu acabava com aquele sentimento ou a saudade acabava comigo. Tive que decidir:
- Chega de passado. Basta de tanto viver no ontem. Quero agora o hoje!
O meu caso com a saudade começou ainda criança. Entre tantos LPs de meu pai havia aquele “Saudades de Além Mar”. Trazia a estampa daqueles portugueses vestidos de trajes típicos e apelando para a curiosidade do menino que logo quis o significado: O que é saudade? E todos queriam explicar o abstrato: saudade é isto, saudade é aquilo. O remate vinha com o clichê: “Saudade é uma palavra que só aparece na língua portuguesa para definir este sentimento”. É isto: um sentir melancólico que constrói coisas idealizando-as como o melhor que se viveu ou teve ou experimentou. A memória ainda traz à tona várias falas para explicações sobre este sentimento como afogados que emergem para tomar o último fôlego.
Saudade. Por isto tive que acabar com esta obsessão pelo passado. Se deixar a doença ressurge. E já senti saudade até mesmo daquilo que nunca vivi e nem faz parte de minha história (Compreendo Fernando Pessoa: “O poeta é um fingidor. Finge até a dor que não é sua”).
Sou assaltado por outra lembrança. Meus pais tinham terras nas proximidades de uma cidadezinha do interior. Íamos e visitávamos sempre aquele lugar e a parentada. Certa ocasião meu pai parou o carro na porteira que dava acesso à casa de uma fazenda para cumprimentar a família. Era o cair da noite. Da casa desceu pelas escadarias uma menina vestida de pijama. Vinha dar boa noite aos pais que nos davam atenção. Deste dia sou tomado pela saudade daquela menina que nem fiquei sabendo o nome e nunca mais a vi. É como se já tivéssemos brincado e convivido sempre. A ausência, a falta da essência da menina, a convivência que nunca existira me toma de uma saudade daquilo que não vivi e traz esta reminiscência reconstruída deste dia, daquela tarde, do início esfumaçante daquele cair da noite. É uma saudade louca deste dia – uma reconstrução idealizada de sensações.
Viver é assim... de tanta vida massageia-se constantemente as memórias. E as reminiscências tornam-se o sal que tempera as lembranças e sentimos saudade. O sal da idade que tem que ser no ponto certo para não ser insonso e nem salgado para não sofrer de saudosismo que machuca.
Há palavras que parecem iguarias de um cardápio, por exemplo, “saudade”. Lembra uma sobremesa que se comeu e cujo paladar permanece na boca. Talvez porque quando se come, come-se aos bocados: SAU-DA-DE. Isto me fez lembrar de cozinheiras que colocam pitadas de sal em doces e quando indagadas pelo motivo de o fazerem respondem: “põe-se pitadas no doce para puxar o açúcar”.
Saudade: palavra bonita, mas que desperta certa melancolia. Há um quê de dor e outro de amor.
Saudade.
A saudade sempre mexeu comigo. Chegou a um ponto que tive que exorcizá-la: ou eu acabava com aquele sentimento ou a saudade acabava comigo. Tive que decidir:
- Chega de passado. Basta de tanto viver no ontem. Quero agora o hoje!
O meu caso com a saudade começou ainda criança. Entre tantos LPs de meu pai havia aquele “Saudades de Além Mar”. Trazia a estampa daqueles portugueses vestidos de trajes típicos e apelando para a curiosidade do menino que logo quis o significado: O que é saudade? E todos queriam explicar o abstrato: saudade é isto, saudade é aquilo. O remate vinha com o clichê: “Saudade é uma palavra que só aparece na língua portuguesa para definir este sentimento”. É isto: um sentir melancólico que constrói coisas idealizando-as como o melhor que se viveu ou teve ou experimentou. A memória ainda traz à tona várias falas para explicações sobre este sentimento como afogados que emergem para tomar o último fôlego.
Saudade. Por isto tive que acabar com esta obsessão pelo passado. Se deixar a doença ressurge. E já senti saudade até mesmo daquilo que nunca vivi e nem faz parte de minha história (Compreendo Fernando Pessoa: “O poeta é um fingidor. Finge até a dor que não é sua”).
Sou assaltado por outra lembrança. Meus pais tinham terras nas proximidades de uma cidadezinha do interior. Íamos e visitávamos sempre aquele lugar e a parentada. Certa ocasião meu pai parou o carro na porteira que dava acesso à casa de uma fazenda para cumprimentar a família. Era o cair da noite. Da casa desceu pelas escadarias uma menina vestida de pijama. Vinha dar boa noite aos pais que nos davam atenção. Deste dia sou tomado pela saudade daquela menina que nem fiquei sabendo o nome e nunca mais a vi. É como se já tivéssemos brincado e convivido sempre. A ausência, a falta da essência da menina, a convivência que nunca existira me toma de uma saudade daquilo que não vivi e traz esta reminiscência reconstruída deste dia, daquela tarde, do início esfumaçante daquele cair da noite. É uma saudade louca deste dia – uma reconstrução idealizada de sensações.
Viver é assim... de tanta vida massageia-se constantemente as memórias. E as reminiscências tornam-se o sal que tempera as lembranças e sentimos saudade. O sal da idade que tem que ser no ponto certo para não ser insonso e nem salgado para não sofrer de saudosismo que machuca.
Leonardo Lisbôa
ESCREVA PARA O AUTOR:
conversandocomoautor@gmail.com