O relacionamento de marido e mulher, não se harmoniza com vínculo empregatício entre as partes. Acaba uma coisa interferindo,  negativamente na outra. Foi por isso que demitiste Amarildo, para tê-lo como esposo e não empregado?

— Amarildo tem postura de herói grego. Mas a cabeça... a cabeça é de fósforo riscado. Ele não tem tino comercial. Não serve para ser patrão nem empregado. Mesmo assim, arrependo-me de tê-lo dispensado.
— Da loja?
— Não.
— Ora, Ravinha! Jamais permita que tua mente rememore cenas de episódios desagradáveis. Isso te causará insuportável tortura psicológica. Estás triste? Solte a gaivota que há dentro de ti! Grite, faça voos rasantes sobre o espelho das águas, depois pouse no capelo de um navio.
— Só se for navio fantasma!
— Não diga fantasma! Diga fantasia... Precisamos de fantasias, sonhos! Idealize um príncipe. Primeiro pense no príncipe. Depois construa o castelo de seus sonhos.
— Acho que pensei primeiro no castelo. Quis construir patrimônio e me esqueci de viver.
— Não viste mais o Fernão?
—Não o vi! Deve estar numa ilha, vendendo barco furado a  Papillon.
— Viste o filme?
— Como não! Tudo que trata de ilha, não perco. Sou apaixonada por ilha, um dia morarei em uma ilha, bem longe da civilização...
— Esqueça ilha. Ilha  não tem palácio. Que conforto oferece uma ilha?
— Ar puro e liberdade, que mais pode desejar um coração selvagem?
— Sinto em tua alma o prenúncio de fobia a selva de pedras?
— Não! Amor à natureza.
— Parece que corre em tuas veias o verde da mata.
— Somos colcha tecida com retalhos de muitas raças. Em muitos de nós corre  DNA aborígene de nossos ancestrais.
— Isso é verdadeiro. Tenho sangue italiano... um pouco da raça negra e com certeza, indígena também. Sou Brasil.
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Adalberto Lima - fragmento de Estrada sem fim...
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