V e r g o n h a

Não há um sentimento que magoe mais do que a pessoa sentir vergonha de si próprio. Dói, constrange, entristece e revolta. Faz com que sinta desprezo por ela mesma. É um suplício, talvez o maior de toda a vida.

Mas o pior é que, em determinados momentos, todo mundo já sentiu essa repulsa por um malfeito que cometeu - e sente vergonha de si próprio. A maioria cometeu apenas um ato irresponsável pontual, às vezes até acidental ou casual, uma exceção. Mas há os recalcitrantes, estes são casos graves e, pamem, eles são imunes ao sentimento da vergonha. Canalha não sente remorso.

Já senti esse sentimento da vergonha por atos que cometi - senti e sinto. E talvez tenha sido, á luz da necessidade, algo até justificável. Mas foi algo que me envergonha até hoje. Um desses atos que ficaram marcados na minha alma como mancha de romã aconteceu em 1964, alguns meses depois do golpe militar. Fui assumir meu emprego num banco oficial. Tinha entregue todos os documentos e feito o exame médico. Mas aí o gerente me disse que havia um problema: a direção geral do banco fora informada que eu havia assinado a lista pedindo a legalização do PCB. Assinara mesmo. Senti quase uma vertigem porque aquele emprego era muito importante para mim.

Felizmente o gerente era um cara gente boa e não simpatizava com a "revolução". Ele me disse que havia uma saída, eu colocar uma notinha bem miudinha e escondidinha no Diário da Noite dizendo que assinara a lista pensando quebera um abaixo-assinado para calçar a rua onde eu morava, rua que já era calçada há uns 30 anos, Fiz isso, ele mandou o recorte para a direção geral e endossou a versáo. Assumi o emprego. Mas fiquei envergonhado. Este e outros pecadilhos morais são minhas vergonhas.

Sei que nunca prejudiquei ninguém e que sou im homem honesto. Sempre repito, como diz a canção de Lupuscínio Rodrigues, que a vergonha foi a herança maior que meu pai me deixou, noves-fora a vergonha que sinto por alguns pecadilhos. Inté.

Dartagnan Ferraz
Enviado por Dartagnan Ferraz em 16/12/2016
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