A Moralidade na Vida Pública Também é Dever do Judiciário
No último semestre deste ano o país foi tomado por um debate acalorado sobre a necessidade imperativa, e emergencial, de implantar medidas de contenção de gastos, tendo sido essa questão levantada a partir da iniciativa do Governo Temer de enviar ao Congresso um projeto de congelamento dos investimentos públicos em setores essenciais à população, como saúde e educação. No apagar das luzes dos trabalhos legislativos, e sem discutir democraticamente a proposta de emenda constitucional com especialistas e com a sociedade, o legislativo, muito servilmente aos interesses do executivo, aprovou a matéria. Num país onde ocorre acentuado envelhecimento populacional – sendo esse o principal argumento do Planalto para mudança nas regras da aposentadoria – é de estarrecer o conluio promovido entre o parlamento e o governo federal para tirar dinheiro da saúde pública pelos próximos vinte anos.
No que se refere à educação, que segundo dados recentes divulgados pelo Programa Internacional de Avaliação de estudantes, 70 % dos alunos brasileiros entre 15 e 16 anos não possuem o domínio básico em matemática, é dispensável afirmar que nas próximas duas décadas o sistema de ensino ficará ainda mais sucateado e com resultados mais pífios e vergonhosos, jogando pela janela o futuro de toda uma geração de jovens brasileiros, ignorados pelo Estado e aprisionados nas perversas teias da exclusão e insensibilidade política.
Entretanto, parte deste discurso, sobre a tão necessária austeridade no uso dos recursos públicos, é verdadeiro, pois é prática corrente em nossa história incidir sempre sobre os ombros cansados da massa trabalhadora o fardo das extorsivas taxas tributárias, via de regra, para tão somente manter os arcaicos e coloniais privilégios do topo da pirâmide socioeconômica. Nos três poderes é possível perceber a perpetuação dessas excentricidades de um Brasil provinciano, imoral e injusto, porém nada se assemelha aos desatinos praticados pelo poder judiciário. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por exemplo, recebe anualmente denúncias contra juízes, desembargadores e membros do Ministério Público em todo país sobre desvio de conduta moral, que vai de venda de sentença a relações de proximidade e favorecimento a traficantes, entretanto por conta do escandaloso princípio corporativista da Loman – Lei Orgânica da Magistratura Nacional – a “punição” máxima a que se pode chegar é a aposentadoria compulsória, com vencimentos integrais. O texto atual da Loman nada mais é que a coroação da impunidade e a garantia jurídica de concessão de premiação aos agentes corruptos do poder judiciário.
Na busca de se pôr fim a esse escárnio, há no Congresso uma proposta de emenda constitucional, a PEC 53/11, que trata da cassação dos vencimentos de magistrados condenados pelo CNJ, criando finalmente a possibilidade de demissão na magistratura brasileira. Todavia, esta mesma proposta ao chegar a Câmara dos Deputados, vinda do Senado, foi estranhamente ignorada e esquecida numa das gavetas da Mesa Diretora da casa.
Aliás, o próprio STF tem prerrogativa para modificar as normas constantes na Loman, porém, a despeito de toda sua relevância para a moralização da justiça do país, há quinze anos ocorre na Suprema Corte uma discussão infecunda, e nitidamente desinteressada em resultados, sobre este assunto, deixando claro a indisposição de seus membros em fortalecer o trabalho do CNJ e de acabar com a cumplicidade com os desvios éticos no judiciário. Curiosamente, esta mesma morosidade não foi percebida no julgamento sobre a permanência na presidência do Senado Federal do coronel Renan Calheiros, mostrando a subserviência do STF aos interesses do Legislativo – provando que a independência entre os poderes no Brasil é uma falácia.
Diante do anseio popular, do clamor das ruas por mais transparência e moralidade no uso dos recursos públicos não é compreensível e nem aceitável que o presidente da Câmara sente-se sobre essa proposta e nem que o STF continue com esse ridículo jogo de cena por mais quinze anos para tornar real a punição aos bandidos de toga, retomando uma expressão usada pela ex-corregedora do CNJ, Eliana Calmon, até mesmo para distinguir e dignificar os que fazem uso da toga com a devida hombridade.