A VISITA

Saio para um compromisso formal. Sei que será uma tarde de oração. Pretendo ter esse momento com Deus. Está um pouco cedo, então, resolvo mudar de rumo e fazer uma visita antes de comparecer ao meu compromisso. Estou bastante tranquila e quero apenas descansar. Chego a casa onde pretendo fazer a visita. Encontro um ambiente paupérrimo, porém acolhedor. Há no local um mine altar com imagens, um pequeno copo de água e uma Bíblia aberta. Percebo, de antemão, que naquela simplicidade há um Deus verdadeiro. Há a alegria da salvação que visita todo lar, desde que seus moradores permitam sua entrada.

A dona da casa me recebe com efusividade. Está feliz com minha presença. Pergunta por todos de minha família. Quer saber se estou bem. Entro e me assento na beirada de um sofá. Estou realmente disposta a me manter ali. Não quero nada mais a não ser ficar ali. Ela está ansiosa. Parece querer alguém para partilhar sua vida. Quer dividir seu mundo. Não sei se estou disposta a ouvir nada por hoje. Ela me chama:

- Vamos lá fora. A gente precisa conversar. Conversa de mulher.

Estou num momento de calmaria e resisto:

- Porque não conversamos aqui mesmo?

Ela insiste:

- Não, vem cá fora. Quero falar “um particular”.

Saio pensando no que será possível retirar daquela conversa. O que será que aquela mulher quer de mim. Sentamos num pequeno banco feito de tábua e tijolos. Estou taciturna e desmotivada. Tive um dia cansativo.

Ela comenta de uns vizinhos da frente de sua casa. Fala do quanto é desconfiada. Concordo com ela. Devido aos problemas que a sociedade passa, seria impossível não concordar. Resolvo mudar o rumo da conversa e pergunto:

- De onde você veio?

- Sou Capixaba. Vim do Espírito Santo.

Quis saber mais. O que leva as pessoas a abandonarem sua terra e saírem pelo mundo em busca de novos rumos? Sempre tive essa curiosidade. Então perguntei:

- Porque saiu de sua terra?

Ela me responde:

- Não tinha ninguém a quem me apegar, naquele lugar.

Tive um sobressalto: ninguém? Perguntei:

- Nem um tio, um primo, um irmão?

- Nada. Meu pai foi assassinado. Minha mãe morreu de câncer. Fiquei sozinha.

Agora tive compaixão. Realmente a vida tinha sido dura para ela. Quis me inteirar um pouco mais desse momento de dor pelo qual passou na doença de sua mãe. Perguntei:

- Onde ela teve o câncer?

- No estômago. Ficou com tudo aberto.

Mostrou em seu próprio corpo a região afetada. Continuei a prestar atenção àquela conversa. Ela continuou:

- Tive que me prostituir para pagar o hospital para ela. Nunca fiz nada que não fosse incorreto. Mas também nunca consegui fazer outra coisa. Quero falar que eu sou verdadeira. Não estou mentindo. Tem gente que mente. Que fala coisas apenas para agradar. Eu caí na vida mesmo. Não tinha a quem, recorrer. Minha mãe precisava de mim.

Tive um instante de reflexão interior. Sou um ser humano. Não consigo ficar indiferente ao sofrimento alheio, mas também penso como pode um ser humano descer tão baixo ao ponto de cair no mais profundo poço da degradação? Não estava ali para julgar. Percebi que precisava permitir àquela mulher a oportunidade de desabafar. Era um desabafo de lamento, de tristeza e de dor. Provavelmente nunca teve com que dividir essa mazela. Continuei atenta. Disse:

- Sim, às vezes a vida é mesmo muito difícil. Mas sempre há uma oportunidade para a gente mudar.

Ela se animou com esse simples comentário e foi logo dizendo:

- Eu parei com essa vida tem muito tempo. Não fosse aquele lá de cima - aponta para o céu - não sei o que teria sido de mim. “Pego com ele todos os dias”. Olha o meu joelho como ele está.

Ela continua falando. Não estou mais prestando atenção porque estou mentalmente fazendo minhas considerações: Que oração perfeita acabei de ouvir. O quanto Deus me mostrou em sua benevolência divina que eu acabava de viver uma oração verdadeira. Como a misericórdia de Deus se manifesta em toda a sua onipresença. Fiquei um pouco mais em silêncio. Como se estivesse acordado de meu transe mental ouvi que dizia:

- Você não acha?

Não estava conseguindo achar nada. Estava apenas usando meu mero conhecimento para tentar compreender a ação de Deus na pessoa humana. Respondi simplesmente.

- Acredito que a vida não é fácil. Mas, você se superou. Venceu as dificuldades e hoje se encontra muito bem.

Agora uma luz brilhou em seu olhar. Estava contente por ter alguém com quem dividir seu sofrimento. Falou rapidamente:

- É sim. Hoje tenho uma casa. Viu o meu altar? Não tenho vela para colocar. Mas, olha como o enfeitei. Venha ver.

Entrei novamente naquela sala singela. Tornei a observar a simplicidade do ambiente e a grandeza da fé daquela mulher.

- Veja como coloquei minha santinha. Olha, tem flor que colhi agora. Tem a água que coloquei para abençoar. E tem a Bíblia.

Falei com tranquilidade:

- Está perfeito! Vamos rezar para que Deus continue abençoando você e seu marido. Que vocês possam aproveitar todas as coisas boas que Deus oferece todos os dias.

Rezamos. Lemos na Bíblia um trecho na página que ela havia deixado. Meditamos um pouco sobre aquela palavra que nos foi dirigida como uma luva para aquele momento.

Era hora de ir embora. Refleti sobre a minha mudança de rumo. Sobre o meu compromisso. Senti que Deus havia reforçado em mim mais uma de suas facetas: Ele é a oração viva. Despedimo-nos com alegria. Saia de mim um misto de paz e emoção por viver aqueles instantes na presença de Deus. Ali estava Deus! Ali era Deus! Retornei para o meu compromisso com a alma em paz. Já havia feito uma oração perfeita. Era bom presenciar o Deus presente na pessoa humana. Mudei o rumo para uma visita e fui visitada por Deus.

NEUZA DRUMOND
Enviado por NEUZA DRUMOND em 12/12/2016
Código do texto: T5851018
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