A COMPANHEIRA DE VIAGEM

Entro no ônibus. Vejo um banco vazio. Ao lado uma senhora. Séria. Pensativa. Aparenta ter 70 anos. Sento-me tranquilamente. É mais um dia de trabalho. Minha cabeça a mil. Faço cálculos mentais de como devo proceder para que meu dia seja produtivo. Preciso chegar ao trabalho e resolver algumas pendências. Não sei se será possível conseguir tão grande feito. Sempre há um imprevisto. De repente ouço:

- Hoje levantei cedo. Precisava vir à cidade.

Olho e sorrio para a senhora como forma de assentimento diante desta afirmativa tão inusitada. Permaneço em silêncio. Ela continua.

- É muito difícil sair cedo de casa. Mas infelizmente preciso ir ao posto.

Concordo:

- É verdade.

Ela continua:

- Moro no bairro Flores. Já ouviu falar?

Respondo que sim. Minha cabeça não concentra no assunto. São tantas atividades mentais ao mesmo tempo que não consigo me ater àquela conversa.

Ela insiste:

- Já morei em Contagem. Tenho três filhas. Agora moro aqui.

Percebo um grito silencioso naquelas palavras pronunciadas como se fossem ao ocaso.

Então, pergunto:

- Tem muito tempo que se mudou para aqui?

Ela sente-se iluminar. Percebo em seu semblante uma necessidade insistente de se fazer perceber. Quer ter com quem dividir um assunto. Não é inconveniente. Apenas um ser humano carente. Então responde:

- Sim. Moro há bastante tempo. Duas de minhas filhas ficam em Betim. A outra se casou e tem uma filhinha linda. Minha netinha.

Demonstro entusiasmo. Quem não se encanta quando se fala de uma criança. Agora me apresento mais atenta. Ela continua:

- As outras são solteiras. Mas estão muito bem. Estudam. São inteligentes.

Apesar de não ser de minha alçada pergunto educadamente:

- Qual curso elas fazem?

- Uma está no quarto período de administração, a outra estuda para ser professora.

Há encantamento em sua voz. Continuo pensando no quanto as pessoas precisam de alguém para partilhar o seu mundo. Eu, uma estranha para aquela senhora, estava sendo um ouvido necessário. Sorri enquanto ela continua.

- Mudei para cá há muito tempo. Tem trinta anos que meu marido trabalha cuidando de sítios e fazendas. Gosta de cuidar de gado leiteiro. Mas, o dono da fazenda que ele cuidava morreu e os filhos venderam todo o gado. Ele até já se aposentou. Agora nem dá para ele ficar aqui mais. Não consegue ficar parado. Está cuidando de uma fazenda que fica próximo a Contagem. Fico aqui com minha filha e minha neta. Ela precisa morar aqui.

Nesse ponto quis interromper e perguntar porque a filha “precisa morar aqui”. Porém, considerei inconveniente. Mas, ela não se calou.

- Sabe, ela teve essa filha e precisou se separar. Eles viviam em atrito constante. Agora, que viemos para cá, está mais tranquilo.

E a conversa segue. Não há como interromper. As palavras vão saindo de forma a atropelar seus lábios. Vou ouvindo. Quero continuar ouvindo. Preciso fazer com que ela perceba que mesmo não a conhecendo, compreendo seu grito mudo.

Chega ao ponto onde ela pretende descer. Então, ela me pede:

- Fala com o motorista que eu vou descer no próximo ponto.

Dou o recado. Estou consternada e num momento emotivo. Aquela conversa mexeu com meu interior. Sempre penso o que faz as pessoas contarem suas vidas para um estranho. Relatam fatos tão íntimos e particulares que às vezes chegam a serem constrangedores. Estou imersa em meus pensamentos quando sou interrompida novamente:

- Por favor, pode segurar a minha mochila?

- Claro.

Respondo com presteza.

Ela pega uma bengala. Tem dificuldade de locomoção, parece ser coluna. De forma lenta sai de seu lugar e galga os degraus do ônibus. Entrego a mochila e ela agradece:

- Obrigada!

Vejo em seu olhar mais do que um simples agradecimento. Ela está feliz. Sente que encontrou uma amiga. Retribuo o sorriso. Agora estou arrasada. Meu dia será diferente.

NEUZA DRUMOND
Enviado por NEUZA DRUMOND em 12/12/2016
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