O anjo
Assis Silva
Na estação do metrô 114 sul em Brasília as pessoas passam apressadas, exceto uma: Um cego. Pelos trajes parece ser morador de rua, não se pode julgar alguém pelos seus trajes, porém minha consciência condicionada me levou a esse pré-julgamento: roupas sujas e velhas, rasgadas, parecia que há dias não via água aquele corpo, pois transmitia um cheiro que desagradava os narizes presentes. Sua guia era uma bengala, na qual usava para detectar possíveis empecilhos em seu trajeto. Parecia sem ninguém.
Um alguém sem ninguém, tem destino? Para onde tentava ir? Se tudo é escuro! Caminhava com empecilhos à sua frente, mas caminhava. Fiquei pensando sobre a vida. Aquele homem nos seus trajes simples e na sua condição de “cego”, caminhando sem destino. Sim também nós somos cegos perante a vida, o próximo minuto, a próxima hora, o próximo dia.…nada sabemos, embora fingimos saber. Ele não está no fundo do poço, também caminhamos no fundo do poço.
Sentou-se em um banco, respirou fundo, pegou sua caneca e tentava beber algo. Nenhum dos transeuntes ousava se aproximar para ajuda-lo: estava sujo, fedendo, maltrapilho e era negro. E o que tem a cor? A inferioridade, julga a consciência histórica errônea e racista. Sua fisionomia era mais impressionante: não demonstrava tristeza e nem preocupação com nada, parecia sereno.
Identifiquei-me com aquele homem, incrível como revelava nossa condição humana, cegos perante a existência, mas mesmo assim, serenos e não tristes, sem destino, mas sempre caminhando para algum lugar. A vida é mesmo algo fantástico e que merece ser vivida mesmo diante de situações adversas.
Quando não mais estava na cena, pensei no termo anjo: seria um anjo? Tudo indica que sim, afinal, os anjos nada mais são do que mensageiros do Divino. Ele transmitia uma mensagem do Divino, logo era um anjo. Sua mensagem era: a situação que você vive hoje não determina se estais no fundo do poço, mas o modo como você vive a situação. Aprenda a enxergar a vida com bons olhos, mesmo diante do sofrimento, é difícil, mas é possível. Não importa para onde vais, importa é que vais. A vida é dinamicidade, mesmo no útero materno não estamos parados, caminhe.
Na verdade, em cada um de nós habita um anjo, pois todos transmitimos mensagens do criador. E também um anjo que nos empresta os seus olhos para vermos as mensagens do criador, mas as vezes nos tapamos os olhos dele. Não me recordo como saí da presença daquele homem enigmático, talvez como os transeuntes, também fugi apressado.