A vez da barata

      Encontrei Coisas que o povo diz, um interessante livro do Luis da Câmara Cascudo, em um sebo da Praça da Sé, quando estive a última vez em São Paulo.
      Descobri-o escondido em uma prateleira empoeirada ao lado de outros livros raros. Nos sebos a gente ainda consegue comprar livros famosos, na sua maioria esquecidos pelas nossas melhores Editoras.

       Atravessei a Praça João Mendes, lendo suas primeiras páginas.

      Tomei o metrô na Liberdade - a Paulista era o meu destino -, e continuei lendo. Na borbulhante avenida paulistana, tomei um chopinho, e ganhei o caminho de casa.
      Como tinha um avião marcado para o dia seguinte, deixei para continuar a leitura durante o vôo que me traria de volta a Salvador. Embora desconfiasse, que o medo de voar dificilmente me deixaria ler a bordo. Mas não custava tentar.

      Depois do check-in, meti na cabeça, que lendo Cascudo,  o tempo do vôo passaria rápido.

      Concluída a decolagem, reiniciei a leitura. Só tirei os olhos do livro quando a meiga aeromoça veio me pedir para afivelar o cinto de segurança porque o avião já estava descendo.

      Desligado, perguntei-lhe:
      - Descendo? Aonde? Na Bahia?
      - Sim, senhor, Gostou do vôo?
      -  A-do-rei!!!! Disse, sem pestanejar.
      - Perdoe-nos pela tremenda turbulência. Não foi possível evitá-la. E se despediu.

      Turbulência? Certo de que não consumira bebida alcoólica, e que o Lexotan que carregava comigo permanecia intacto, estranhei o pedido de perdão da comissária Ana.

      Não havia  outra explicação: o livro do Câmara Cascudo me ajudara a cortar os céus sem dar bolas para a turbulência à qual se referira a experiente aeromoça.

      Desembarquei em Salvador, peguei o taxi mais próximo e rumei para a Pituba. Logo na entrada da minha rua, o taxista atropelou dezenas de baratas que, aflitas, fugiam do mercadinho da esquina.
      Vi asas de barata voando pra todos os lados.  Lamentei a tragédia. Mas posso garantir que o motorista não pôde evitá-la.

      O atropelo foi presenciado por algumas mulheres postadas no ponto de ônibus, a dois passos do acidente.
Elas irromperam em aplausos! E, se não disseram, pensaram: "Uma boa! Menos baratas para nos aporrinhar."       

       Vendo tanta barata morta, veio-me à lembrança a estória que lera, durante o vôo, em Coisas que o povo diz.

      Conta Cascudo, que um determinado cidadão, inimigo ferrenho das baratas, vivia a xingá-las, e a criticar Deus por havê-las criado. 
      Atingido por cruenta crise de rins, o cidadão procurou uma curandeira. Dizendo-se desiludido com a Medicina, solicitou-lhe uma ajuda.

      A corandeira pediu-lhe que lhe trouxesse uma barata viva e bem nutrida, no que foi, imediatamente, atendida.

      Sem que seu paciente soubesse, a astuta curandeira, prossegue Cascudo, pegou a barata, "torrou-a, virou-a em pó, fez um chá bem quente, e mandou o homem beber, sem açúcar".

      Conseqüência: o sujeito teve sua função renal regularizada, passando a fazer xixi como uma criança. Ao agradecer a consulta e o remédio, ouviu da curandeira que sua cura se devera a um simples chá de barata.

      Embora o Câmara Cascudo assegure que, na "terapêutica popular", o chá de barata não é cousa nova, não me arrisco a aconselhar seu uso aos parentes e amigos que, como eu, têm brutais cólicas renais. 
      Sou mais o chá de quebra-pedra, que bebo há anos, como se fosse refrigerante.

      As mulheres, inclusive a minha, que me perdoem por ter contado e comentado, aqui, história tão insólita.  
      Mas o cronista tem dia que acorda sem um bom assunto para rabiscar sua crônica diária. Resta-lhe escrever, e foi o que fiz, sobre o que, de primeira, lhe vem à cuca. Hoje, lamento, foi a vez da barata.
 
  

     
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 29/07/2007
Reeditado em 16/01/2008
Código do texto: T584753