Não sei se já agradeci. Recebo todos os dias dezenas de mensagens de taxistas, de homens e mulheres que se aventuram no asfalto para prestar um serviço desgastante e pouco reconhecido. Sei que fazem com a paixão daqueles que navegam desvendando as rotas que nos guiam pelo mundo. O taxista é um pedaço da cidade, é o amante silencioso da sua geografia, das suas veias. Percorre seu corpo desde a euforia solar até os desertos sombrios das noites traiçoeiras do Rio. Enviam-me mensagens de agradecimento, de reconhecimento, de desespero, de carinho, de esperança, já recebi até sutis propostas de encontros românticos. É pena que eu seja um celibatário incorruptível. Uma moça me escreve para dizer que sou a ilha onde ela vem recuperar o ânimo e autoestima. Impossível não me apaixonar. Contam-me histórias de vida, de famílias inteiras que se orgulharam por dirigir um táxi compartilhado através de gerações. São infinitas aventuras, encontros, desencontros, caminhos perdidos e achados. É lindo. Sofro de angústia quando me dou conta que concentro tantas narrativas belíssimas sem que outras pessoas que condenam a classe possam conhecer, pois são vítimas de um preconceito inventado que lhes tampa os olhos e o coração.
 
Planejo elaborar um livro, registrar as tramas e os enredos que me chegam diariamente. Taxistas são biógrafos urbanos, são confidentes da cidade, são portadores de todos os segredos. Não sabemos se os táxis conseguirão sobreviver à covardia de uma multinacional que quer se impor acima de todas as leis e governos, se irão resistir ao desprezo das ruínas da nossa justiça, se irão sensibilizar os políticos de aluguel, mas quero tentar construir uma homenagem a esses guerreiros que lutam para continuar existindo diante da nova era dos falsos faraós digitais. É um exército que se reergue após cada derrota. Brigam também por nós, pois se levantam contra a desumanização, contra a depreciação do trabalho. Feridos e humilhados, marcham outra vez e outra vez, apoiam-se na fé e no amor pela profissão. Heróis do mundo pós-moderno.
 
O Rio, sem os seus táxis amarelos, perderia a poética e a alma. Dizem que o amarelo era a cor preferida de Van Gogh, um tom associado ao otimismo e ao Sol. Van Gogh saía pelas noites, com velas acesas na aba do chapéu, ia buscar o amarelo em meio a escuridão muda dos campos. Será triste o dia em que estendermos a mão e não encontrarmos mais a esperança de um táxi amigo que nos faça compreender a beleza de alcançar um destino.
 
Obrigado, companheiros.

Alexandre Coslei
Alexandre Coslei
Enviado por Alexandre Coslei em 08/12/2016
Reeditado em 08/12/2016
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