Assim ou ...nem tanto 74
Antes.
Quando volto no tempo, na regra geral, só a mim me levo. Hoje, de novo lá, estou à espera do futuro, cresço tão devagar que a voracidade que desejo para os dias se arrasta, morna, cansada, prudente, tudo coisas incompatíveis com a ansiedade para viver. E viver, era sentir a voz grossa, o corpo adulto, o controle dos dias e a entrada imprudente em todas as noites. Orgias sonhadas, orgias por acontecer. E, um dia, estavas no meu tempo. Tapavas os gostos, a paisagem, os quereres pelos quais aguardei até então. Não fumavas. Não bebias. Não amavas como seria meu desejo que amasses. E separei-me em dois. Um, o devasso, corpo jovem, semideus em liberdade, haveria de continuar a bater campos, vales, rios, matas, cidades. Procurava voltar experiente, de sangue saciado, morto de cansado à minha vida comum. Pouco estudo, notas sofríveis, a exaltação do corpo que me exigia apenas maus caminhos. Fumava. Bebia. Vivia pelo avesso tudo o que não devia. O outro de mim, atilado, exigente, espiritual, ficava a olhar-te como se fosses uma estrela, uma miragem, alguém que poderia, depois de tanto mendigar, tocar de leve a mão, cruzar nela os meus dedos, ponderar as palavras que diria sempre atropeladas, sempre a dizer o lado que não queria, sempre aquém de tanto amor platónico. E nunca havia horas fora do dia, do portão verde da tua casa escondida, do teu tempo de recato. E na última vez já não estavas. Já não valia o espírito, já ali morria o corpo e eu era nada, solidão, vazio. Quando pude reuni-me outra vez. E fui corpo, espírito, vez.