A QUEDA DA CARLOTA
O fato aconteceu numa reunião de negócios. Estávamos em quatro aguardando a chegada de mais três pessoas do fornecedor que nos apresentariam a proposta de um projeto. O atraso era visível, mais de uma hora havia se passado e nada deles chegarem, nem sequer um telefonema para nos avisar.
– Eles confirmaram ainda ontem e sempre foram pontuais em sua agenda – comentamos entre nós.
– Provavelmente a rodovia está congestionada, afinal eles vêm de outra cidade, e essa estrada até aqui é por demais tortuosa – indaga um dos componentes da mesa.
– Mas o que intriga é essa falta de notícias – completa outro.
De repente, surgem à porta os três personagens, esbaforidos, cabelos desarrumados, roupas manchadas e desalinhadas. Mais pareciam figuras surgidas de uma trupe de um circo mambembe qualquer. Grotescas figuras.
O nosso espanto era tal que não sabíamos se deveríamos chorar ou rir daquela situação. Enquanto cada um dos visitantes se acomodava em seus lugares, e antes que alguém da nossa turma se pronunciasse, uma daquelas pessoas se justifica:
– Desculpem pelo atraso, mas ocorreu um imprevisto.
– Calma, respirem, bebam água. Não se afobem – indaga um dos nossos.
– Imaginem vocês, numa das curvas do trajeto a roda dianteira bateu numa pedra. Ouvimos um barulho, e pudemos observar que a Carlota caiu e rolou morro abaixo. – uma daquelas pessoas explicando – Descemos todos do carro à procura dela, com muito custo a encontramos e conseguimos resgata-la.
Todos os quatro, arregalam os olhos e um silêncio tomou conta de nós. Estupefato então procuro quebrar o gelo, perguntando:
– Conseguiram então resgatar a Carlota?
– Sim, mas o terreno era íngreme e tomado por um lamaçal que dificultou a subida de volta. Sabe como é, era uma questão de honra recupera-la. A empresa é muito rígida conosco quando acontece alguma avaria em seus carros.
– Lógico, sim. Lógica e sensata a atitude de vocês, compreendemos a situação, mas o carro é apenas um carro, quanto a Carlota... – tenta ponderar um dos nossos companheiros.
– Então, e o estado dela? – pergunto apavorado.
– Como é que ela está e o que podemos fazer? – completa outro dos nossos. – Caso não estejam em condições suspendemos a reunião.
Os três ficam parados, pasmos, nos fitando com espanto, como que não entendendo a nossa agitação.
– Não, não, resolvemos lá mesmo no local. Não há motivo de preocupação.
– Mas, mas não foi grave então? – pergunto com excitação.
– Apenas um arranhãozinho, nada que uma boa lustrada não possa resolver.
– Como assim, uma boa lustrada? – questiono indignado.
– Inclusive a colocamos no lugar, lá mesmo sem maiores dificuldades conseguimos encaixa-la. Sabe como é essas peças de plástico são maleáveis e se ajustam com facilidade.
– Vocês podem me explicar que porra de conversa é essa e quem é essa tal de Carlota? – meu colega perdendo a paciência.
– Então, o senhor não sabe? – uma daquelas pessoas explicando com a maior naturalidade – Carlota é aquela peça circular que se encaixa na roda do carro, que roda grudada com a roda, apenas um acessório.
Os quatro trocam olhares perplexos e um silêncio desconfortável e embaraçoso invade o ambiente.
Sentindo que deveríamos iniciar de imediato a reunião, não me frustro em deixar a minha marca, procuro finalizar o assunto de maneira suave:
– Ah, entendi, a calota, a calota, a calota... aquela que roda, roda, roda...Tudo bem, de todas as notícias a “menas” pior, que bom que a “perca” foi só material, sem maiores “pobrema”.