Óvnis em Vila Isabel

Eu vi um ÓVNI flutuando nos céus de Vila Isabel. A coisa estava a duzentos metros dos prédios na linha do horizonte da minha janela do quarto, que dá para os morros da Tijuca. Eram seis horas de um fim de tarde, e o objeto metálico, achatado, estava planando entre as nuvens espessas. Depois de alguns segundos, ele riscou o céu muito rápido e sumiu como se nunca estivesse existido. Pasmem, foi no dia e quase na mesma hora da queda do helicóptero da polícia na Cidade de Deus, uma diferença de alguns minutos.

Eu sei, vocês podem duvidar de minha sanidade visual. O assunto é polêmico e de difícil digestão. Mas antes de acharem que eu tive um devaneio, escutem o que me contou um morador com cerca de 80 anos, antiguíssimo no bairro. O ancião, de pele negra e cabelos brancos como algodão, se chama Ivo e é morador antigo do morro próximo. Volta e meia encontro-o no bar Genérico, ali na esquina da avenida principal, de papo com os amigos numa forma matreira de contar histórias como os típicos frequentadores do ponto.

Encontrei-o na manhã do dia 20 de novembro, algumas horas após aqueles incidentes, no local. O papo do botequim era a queda do helicóptero e a morte dos quatro agentes policiais. Ao lembrar o fenômeno do dia anterior, eu relatei minha visão do objeto exótico nos ares do bairro boêmio. Segundo o conhecimento de Ivo, essas aparições estranhas vêm de tempos remotos, lá do período da princesa, quando ninguém sequer sonhava com zepelins, aviões ou máquinas de guerra do Bope cruzando os céus.

O avô de Ivo morava no bairro quando foi funcionário das primeiras empresas do Barão de Drummond no final do século XIX. Drummond planejou a construção de um bairro à moda parisiense no local da fazenda imperial dos Macacos que deu origem à Vila Isabel. Como ferrenho abolicionista, nomeou as ruas e as praças com os nomes dos líderes da luta pela libertação.

Conta-se que nos meses dos debates mais intensos anteriores à abolição da escravatura em maio de 1888, Drummond caminhava pelas trilhas laterais ao morro como exercício noturno frequente e, quando retornava, dava notícias do seu contato com luzes coloridas que surgiam do alto. O avô de Ivo também relatava a aparição de luzes brilhantes e objetos de várias formas que surgiam na linha das montanhas em épocas de crise social. Hoje, raros são os enigmas do firmamento que aparecem para tirar o sono dos descendentes da antiga fazenda. Sobraram os rasantes dos helicópteros e as rajadas de tiros de metralhadoras em guerras deflagradas que colocam em lados opostos seus habitantes, policiais ou bandidos, humanoides considerados de baixa estirpe e programados para serem eliminados pelo Estado. Cenas já comuns para Ivo.

Podemos estar completamente enganados sobre a relação entre os fatos históricos e a presença enigmática dos objetos não identificados num cantinho outrora agradável do Rio de Janeiro. Não almejo conhecê-los, porém, gostaria de enviar-lhes um alerta. Contar aos prováveis visitantes de outras dimensões que estar presente nos céus do Brasil não é o melhor negócio por enquanto. A saraivada de chumbo de baixo e de cima pode levá-los a um acidente terrível. E o que é pior, eles serem identificados. O que trucidará a nossa curiosidade, frustrando o nosso desejo íntimo de contemplar o eterno desconhecido.

O primeiro helicóptero derrubado há alguns anos foi justamente no morro do seu Ivo. Então, um aviso aos intrusos: saiam dos céus, retornem para suas galáxias. Nós aqui embaixo ainda estamos sonhando com o fim de nossas agruras, e a volta daquele tempo onde apenas os ÓVNIS nos aterrorizavam.

Ulisses Duarte
Enviado por Ulisses Duarte em 05/12/2016
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