SAUDADES DE MALHADINHA

A minha maior tristeza é não poder mais morar na minha Malhadinha querida. Foi em Malhadinha que comecei a tocar viola e cantar repente em 1974 com apenas vinte anos de idade. Conheci ali muita gente boa, muitas famílias honestas com quem vivi. Tenho saudade da casa do meu avô onde aprendi a ler e amar os livros como nenhuma outra coisa neste mundo. Ficaram na minha lembrança as pessoas que sempre iam à Casa das Agostinhos, como eram conhecidas as minhas tias paternas, e minhas mães adotivas. Parece-me que estou vendo o Tio José tangendo a sua tropa de jumentos ou o primo Agostinho tirando o leite da vaca bordada da Tia Marica, a minha incentivadora da boa leitura. Ainda me vem à mente os rebanhos de carneiros da Tia Ana Rosa e o jumento trigueiro que ela ia buscar comer para o seus animais no Rio Jaguaribe. Eu me recordo também do Tio Raimundo Elias trabalhando em nossas croas ou fazendo as cercas da nossa vazante enorme. Malhadinha ficou dentro de mim para nunca mais esquecê-la. Lendo Gustavo Barroso eu sinto um remorso enorme por me lembrar bastante do casarão do meu avô, das minhas tias e sobretudo dos meus inícios literários. Toquei viola a primeira vez na sombra do nosso velho tamarindo que hoje está apenas arquejando sem o auxílio de ninguém. Eu trago na minha alma todo este passado bom que virou para mim algo de grande tristeza. Foi em malhadinha que tomei conhecimento da literatura de Humberto de Campos e passei a ler muito o genial escritor miritibano. A Tia Marica gostava muito das crônicas de Machado de Assis e lia muito pouco o nosso José de Alencar e maiormente o autor de Memórias. Eu sempre discutia com ela sobre o valor da obra de Humberto de Campos, mas ela achava o autor de O Monstro e Outros Contos um tanto quanto exagerado. Por tudo isto, eu não posso esquecer de Malhadinha, nem do meu povo, e sobretudo da prole de Agostinho José de Santiago Neto, o meu avô. Ficou em Malhadinha o meu tempo de menino órfão e meio travesso. Foi ali que tive uma infância alegre, liberta e boa. Dos meus amigos de infância eu tenho plena recordação e uma saudade enorme. Das minhas tias até hoje não consegui esquecer, porque foram elas as minhas verdadeiras mães que me criaram e que me deram tudo quanto eu precisava ter como filho órfão. A casa do meu avô tinha muitos quartos, um deles era de minha preferência porque era onde eu fazia as minhas leituras boas ou más. A estante do meu avô ficava num quarto grande onde eu punha uma mesa para escrever os meus primeiros versos e ler Carlos de Laet A Seleta Clássica. Uma vez ou outra estava eu com Olavo Bilac, Tratado de Versificação tentando aprender a métrica verdadeira. Neste quarto ingente, eu li Olegário Mariano As Cigarras, e outros poemas do mesmo autor. Neste quarto eu via sempre a foto do meu progenitor e ficava a pensar realmente o que era a vida. Toda gente de Malhadinha me conhecia pela alcunha de Antônio da Teté, a minha mãe adotiva. Quando eu ia à casa de um parente que havia por perto era sempre levado por esta tia boa e querida por todos nós. Malhadinha foi o meu primeiro cenário artístico que tive na minha infância de menino pobre.

Poeta Agostinho
Enviado por Poeta Agostinho em 02/12/2016
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