Diário de Sonhos - #114: Coronel Bola de Neve
Hoje dormi um bocadinho a mais. Tive muitos e muitos sonhos que infelizmente esqueci a maior parte. Mas lembro de alguma pouca coisa.
Sonhei que estava passeando pelo centro de São Paulo com o amigo Adriano. Centro de São Paulo. Bom, alguma coisa me dizia que era lá. Uma cidade exatamente igual. Suja, cinza e grande. Mas havia construções e estradas que atravessavam o céu cinzento e triste. Mendigos dormindo sob a sobra de viadutos de centenas de metros de altura. Pegamos algum tipo de rampa coberta. Acho que era um acesso do metrô. Acabamos num quintal separado por uma cerca de madeira, igual nos filmes norte-americanos. Empurramos uma tábua solta e conseguimos entrar no quintal do vizinho, igual nos filmes norte-americanos. A visão era linda. Tudo, tudo branco. Os sobrados de madeira, as árvores morrendo, o céu. Até mesmo os carros, e as rodas dos carros, e as janelas dos carros e as pessoas dentro dos carros. Tudo coberto de neve pura e macia. Fiquei encantado. Era a primeira vez que via neve de perto. Então um golpe no rosto. Um golpe frio. Algum espertinho jogou uma bola de neve em mim. Olho em volta e vejo Adriano, Toshi e Julius dando risada. Não lembro se o Aikawa também estava por perto. Começamos uma guerra de neve. Nós três contra o Toshi. Pra quem não conhece, Toshi é simplesmente o cara mais safado que já conheci. Bom de mira, pensamento rápido. Um autêntico predador de emboscada. Nos jogos de tiro o cretino tem uma imaginação desgraçada e sempre me mata dos lugares mais inesperados. Estou acostumando com o jeito dele e resolvo usar meus companheiros de equipe como distração enquanto vou sorrateiramente pelo canto, até chegar à metade do campo imaginário e pegar o japonês sacana desprevenido. Mas o cara é um verdadeiro canalha. Pronto para dar o bote, uma bola de neve bate com força bem ao lado da minha cabeça. Quase! O japonês já descobriu onde estou. Entro em pânico e começo a agir impulsivamente. Acabo levando duas ou três bolas de neve antes de sair correndo de volta pra trás da linha do meu time. Mas, repito, o japonês é sacana. Mira e força combinados, ele continua atirando bolas que quase me acertam. Continuo correndo para o fundo do campo imaginário. Consigo me esquivar por instinto quando me jogo numa linha perpendicular àquela da bola de neve. Mas o tiro acerta em cheio. Não a mim. Quando levanto vejo um coronel. Velho e baixo, forte, bigodudo e com cara de bravo. Usa um uniforme verde-musgo com ombreiras douradas, uma faixa atravessando no peito e uma caralhada de medalhas penduradas no uniforme. Ele absorve o acontecido com completo desprezo. Apenas com o olhar identifica seu agressor. Logo três soldados magrelos aparecem e arrastam Toshi até o coronel. Coloco-me entre os dois, tento intervir por meu amigo. Digo que respeitamos muito a polícia, que aquilo foi um acidente e que queremos nos desculpar. O coronel limpa sua roupa com uma vassourinha tira-pó. Ajeita o uniforme e passa um pano em suas medalhas. Ele vem até mim e me dá uma chibatada que me faz ajoelhar de dor.
- Noob!
Dá meia volta e se vai, acompanhado pelos três soldados magrelos.
São Paulo, dois de dezembro de dois mil e dezesseis.