A Pontinha das Páginas
Cissa de Oliveira
Lembro-me de estar lendo por volta da linha 4937 quando a campainha tocou. Na impossibilidade de exercer o ato simples de inserir um marcador entre as páginas do livro, ou, quem sabe, cometer o ato inconcebível de dobrar a pontinha da página, até porque se tratava de um livro eletrônico, anotei no bloco de notas – não o do computador – o número exato da linha. Uma coisa é certa, esse livro eu não vou perder por emprestá-lo, como ocorre de vez em quando com os outros, os livros “normais”. Ou seria mais acertado chamá-los de “comuns”? Bem, alarguemos o pensamento e digamos que seja apenas mais um tipo de apresentação em literatura, embora na minha concepção o livro impresso seja mesmo o mais charmoso, romântico e prático. Se esses, palpáveis mas nem tanto devido ao preço, não chegam para tantas mãos nesse país, que se dirá do eletrônico?
A campainha tocou e se eu pudesse continuaria divagando. Diria por exemplo sobre o ato de deter, não apenas com os olhos mas com as mãos, o livro. Não se trata do ato da posse, da “usura” como citaria Ezra Pound. Deus me livre! Usura não, uso simples, concreto, limpo. Acaso é com usura que a criança cresce o sonho no construir do castelo de areia ou de peças de madeira, ou mesmo no pentear dos cabelos de milho das bonecas do milharal que a família semeou? Penso que não.
Mas se você tem um computador, acesso à Internet ou apenas um disquete gravado, pouco tempo e pouco dinheiro, o livro eletrônico é uma opção fantástica. Lembro-me de que na Bienal do ano de 2004, ocorrida em São Paulo, eu me interessei por comprar o “Na sala com Danusa” e alguns outros, obviamente não podendo comprar tudo o que me interessou, tamanha a maravilha. Pois é, atualmente eu leio Danusa direto da tela. Presente de uma amiga que, estou certa e a própria Danusa indicaria, devo agradecer com outra gentileza e mais, passar adiante o tal arquivo, digo, livro.
Não sei porque diabos existe a campainha. Ai se for um vendedor de livros! Velhos tempos. Tinha perfume entre as caixas das coleções, tinha sim. Poesia pura. Iluminuras. Vou à porta e é tão somente a vizinha do apartamento ao lado. Vai buscar o filho na escola e pede para eu desligar o forno onde faz pães. Com isso, e já mudando de pato pra ganso: eu tenho ou não tenho que ser metida a ser escritora?
E eu nem vou ligar se dobrarem as pontinhas das páginas.
Crônica título do Livro de Crônicas premiado no
"I Prêmios Literários Cidade de Manaus" 2006.