Assim ou ...nem tanto 73
As letras
Todas as letras devem ter o seu lugar. É uma espécie de ordem mutante. No alfabeto, têm uma sequência sempre a mesma, uma espécie de medida que não admite desclassificação, mudança, invenção. O f fica depois do e e antes do g. O z, ainda que se agastasse, seria sempre o último. Nem variação nem aspiração de mudança. Morreu quem disse, há muito tempo, esta ordem que ninguém pensa em alterar. Há coisas que devem permanecer iguais e outras que, na alternância, ganham e perdem sentido, vão, vêm, ficam. Apagam-se na palavra morte, acendem-se na luz, aquecem no fogo ou no calor e vão, sozinhas ou acompanhas, à festa das ideias, lá onde o tango se pode dançar e o rock da pesada também. Vale o que quisermos, com regra corrente, aceite, incontestada. Mais acordo, menos concordância e tudo gira com letras, com palavras, com a representação dos sons, com a invenção de novidades inglesas, termos intraduzíveis, letrinhas chatas repescadas nas línguas de muito antes, defuntinhas e sem bocas que as digam. Acordam para ser variáveis, incógnitas, nome de mistérios fantásticos e sempre estranhos. Elas são a estrutura da escrita e a escrita, que o diga o esperanto de má memória, é só um código. Para enaltecer todas as Nações, ficou assim, áspero, diferente, hermético, obtuso, impronunciável, intragável, proscrito pelo mundo que agradece o esforço mas prefere ir a pé, à boleia do inglês ou, nos mais ferozes, a falar só alemão porque onde estiverem mandam eles, donos, ditadores, implacáveis. Com consoantes mudas ou sem elas, quero significar. Sou a palavra que já se casou, divorciou, se juntou. Que quer dizer e ser dita. A virgindade, afinal, é uma pureza que já ninguém se esforça tanto para ter.