COMO DIZER AS COISAS (Sátira)
Em meu tempo de faculdade, um vizinho, de pouco estudo, pediu-me para redigir um bilhete à escola de sua filha, informando que a aluna havia faltado à aula no dia anterior por motivo de doença.
Pedi-lhe uma caneta e papel e sem mais delongas escrevi:
Senhor Diretor,
Informo que minha filha, Fulana de Tal, não compareceu
à aula ontem, dia tal, por motivo de doença.
Atenciosamente,
O sujeito me olhou perplexo e muito provavelmente frustrado; só isso? deve ter pensado. Adivinhando sua frustração, do alto de meu curso de Letras, expliquei-lhe que uma mensagem devia ser clara e objetiva. Tinha ele mais alguma coisa a dizer ao diretor da escola?
Hoje, diante de tanto palavreado técnico, tanto aprofundamento da linguagem empresarial e mercadológica, tantos MBM e similares, confesso que teria vergonha de elaborar uma mensagem assim tão ingênua, desenxabida e sem profundidade.
Por que falar em conquistar mais clientes, quando a situação exige, isso sim, uma “ação estratégica com foco no cliente”; por que simplesmente despedir funcionários para baixar os custos de produção, se o exigível é “em vista do contexto de reengenharia do grupo, efetuar um downsizing em alguns setores”? Uma prostituta certamente fará jus a um cachê maior quando catalogada como “trabalhadora autônoma no comércio de lazer sexual”.
Nesse contexto, meu modo objetivo e conciso de encarar as coisas só tem me exposto a situações vexatórias. Em antigas reuniões de trabalho, quando todos os participantes se esmeravam em aprofundar as questões, de um jeito acadêmico, construindo belas e abstratas argumentações, que logo eram rebatidas ou acrescentadas por outros, a mim me parecia que com duas palavrinhas poderia resolver tudo. Para que ficar dando olés no meio de campo, quando o objetivo era chutar a bola pra frente?
Mas fosse eu meter a minha colher nas discussões! Fosse eu propor resoluções com palavras simples, mal escandidas, sem aparato sociológico, dito tudo ali na bucha, com jeito de gambiarra. Algo assim como: para economizar energia, por que não desligar os aparelhos não utilizados? Ou simplesmente: vamos criar um espaço para os fumantes.
Não preciso dizer que, nessas ocasiões, era encarado com certos risinhos de desprezo ou de benevolência, o que me fazia incontinenti recolher-me ao silêncio e à minha pretensa ignorância. Na certa, eu desconhecia as mínimas regras de funcionamento de reuniões, seminários, convenções e outros grupos de trabalho.
Claro, ao terminar o prazo dos trabalhos nada havia ainda sido resolvido. Os participantes de outras cidades ou estados, com ajuda de custo e hotel pago, regressavam a seus locais de origem. Muitas vezes, era preciso convocar outras reuniões para sistematizar o (pouco) que havia sido resolvido.
No final de um desses encontros, por ocasião do feedback realizado, uma participante, dirigindo-se a mim, falou carinhosamente: não perca nunca essa sua pureza e ingenuidade!