Realidades Adaptadas
O problema residia no fato de que eu já não tinha muitas esperanças pra coisa toda. Não que eu fosse algum pessimista ou algo do tipo. Eu era apenas realista, e a realidade é foda. Você fica meio sem ter pra quem pedir ajuda quando não acredita em alguma divindade que poderia aliviar sua alma do tormento eterno de ser você mesmo. Às vezes, eu invejava aquela galera fervorosa que levantava as mãos pro céu pra agradecer até pela moeda de dez centavos encontrada no chão. No meu caso, se eu encontrasse já era dez centavos a menos no próximo maço de cigarros.
Eu fumava, e na fumaça do cigarro fugiam todas as desilusões e essas baboseiras poéticas que costumam dizer. Ficava calmo, e o mesmo acontecia com a bebida. E enquanto fazia isso, eu pensava nas mulheres que desgraçavam minha cabeça. Há sempre alguém, no final. A gente nunca consegue atribuir nossos problemas mentais apenas a nós mesmos, por mais que eles sejam de nossa inteira responsabilidade.
Eu pensava nelas e depois de muito beber e muito fumar, chegava à conclusão de que minhas melhores companhias eram as guimbas no cinzeiro e as garrafas rolando sobre a mesa.
Pessoas são legais, plurais e tudo mais, mas dão muito trabalho. O cinzeiro a gente lava e a mesa a gente limpa. Depois disso, o ciclo pode começar de novo. Com humanos é diferente. Quando você passa muito tempo com uma pessoa, o cheiro dela fica impregnado como a nicotina se prende ao fumante, ou o cheiro eterno de mijo que tem o bêbado. Às vezes a fragrância é agradável, mas nem sempre. Geralmente é aquele fedor de toucinho sendo cozido que infesta uma casa e é capaz de desabrigar uma família inteira.
O foda é que a família de sentimentos é uma galera sensível pra caralho. Se você expulsa muito eles com o fedor das suas decepções, chega um determinado momento que eles não querem mais voltar. E ai o que acontece? Você termina como eu. Escrevendo coisas ruins para um público invisível. Mas... que se foda. Acho que só vou beber mais e deixar o tempo passar.