A PAIXÃO AMALDIÇOADA DO BARÃO DO CRATO

Bernardo Duarte Brandão já era homem feito quando voltou da Europa, depois de longa temporada. Robusto e arrogante, com trejeitos finos, acostumado com os ares parisienses, achou a cidade uma miséria de tão provincial, que quase lhe embrulhou o delicado estômago europeu.

O cheiro de terra e poeira, o odor do estrume do gado e a secura do tempo, por certo, deve ter-lhe dado terrível arrependimento de ter voltado a mando do seu pai, rico fazendeiro e senhor de terras e escravos da Ribeira dos Icós.

Ao chegar, os escravos de seu pai vieram ao seu encontro, apenas com o intuito de ajudá-lo com a bagagem. O jovem mancebo, enfunado de orgulho e soberba, empurrou os negros com tanta fúria, que os jogou violentamente contra as estacas pontiagudas da porteira da fazenda. Os escravos apenas sorriram, como se aquilo fosse apenas uma pilhéria típica dos moços ricos. Sorriram com aquele sorriso subserviente e humilde, típico dos mansos.

- Não toquem em minhas coisas da Europa! – esbravejou com acentuado sotaque francês, vociferando como um animal raivoso. Ali, naquele momento, já se ia demonstrando a sua aura cruel de um desalmado abusador de escravos. Mas é bom lembrar de que a soberba precede a ruína, e a altivez do espírito, a queda.

Ele falava o tempo todo dos tempos em que morou na Europa, de como tudo lá é diferente, de como as pessoas são civilizadas, brancas, louras, olhos azuis e de como lá, as pessoas certamente são mais bonitas e mais elegantes do que aqui, nesta província miserável. Tudo que ele falava, sempre vinha a comparação com a Europa, que ele sempre se referia por “lá”, como se falasse de um mundo mágico e maravilhoso, como se um paraíso na Terra, fosse.

- Lá, não se come açúcar, nem sal, senão muito pouco! Também não se toma café, por causa dos dentes. Doces então, nem pensar! – dizia ele, com empáfia, aos bajuladores que o cercavam com vergonhosa adulação. – Lá, o sol é muito leve e o clima é sempre ameno, por isso a nossa pele é assim tão bela! – vangloriava-se com repugnante prosápia.

Passaram então muitos dias da chegada do esnobe falastrão. Mal sabia ele que o destino lhe reservava a arrebentação de uma dor lancinante e cruel que lhe iria consumir a sua pobre alma até os estertores da morte.

Quando ele fora mandado para a Europa, a fim de estudar numa das mais conceituadas escolas do Velho Mundo – que era o desejo de seu pai, que queria ver o filho formado e retornasse à sua terra, transformado em um proeminente doutor -, deixou aqui sua irmã, ainda uma menina. Quase não a conhecia, sequer se lembrava dela. O pai promoveu então um jantar para que os dois irmãos se conhecessem, já que passaram muitos anos separados pelo mar imenso. Quando Bernardo viu Maria do Rosário, sua irmã pura e singela, sua pobre alma indecente se inflamou de paixão avassaladora. Não pôde se conter diante de uma mulher tão bela e deixou-se ser encarcerado naquele desejo proibido, querendo ele mesmo acreditar que ela também o desejava e o amaria como um homem e não como um irmão. Adoeceu febrilmente e sofreu de uma dor inclemente e devastadora a partir daquele encontro.

Sigmund Freud em 1927, escreveu em seu livro Die Zukunft einer Illusion, que “...Há numerosos indivíduos civilizados que recuariam aterrados perante a ideia do assassínio ou do incesto, mas que não desdenham satisfazer a sua cupidez, a sua agressividade, as suas cobiças sexuais, que não hesitam em prejudicar os seus semelhantes por meio da mentira, do engano, da calúnia, contanto que o possam fazer com impunidade”.

Em 14 de setembro de 1866, recebeu do então Imperador dom Pedro II, o título de Barão do Crato e tornou-se um importante chefe político. Não podendo desposar a irmã e sofrendo com o fascínio de uma paixão proibida por Maria do Rosário, tornou-se um homem cruel e sanguinário, que descontava sua fúria incontrolável nos mais humildes – seus escravos – torturando-os até a morte. Implacável, o próprio Barão, pessoalmente, martirizava e afligia, impiedosamente, torturando-os de tal maneira, pendurando-os vivos pelas costelas, até ver correr-lhes o sangue abundante e viscoso, por conta das chicotadas e suplícios cruéis dos anéis de ferros, arrancando-lhes os dentes e a língua, em uma sequência aterrorizante de lamentos, vagidos infernais e dor. É sabido que muitos negros foram objetos de tortura e muitos, assassinados por conta dos terríveis castigos executados impiedosamente pelo Barão, e que depois de satisfeitos seus desejos sanguinários, os corpos eram jogados em covas rasas no quintal de seu sobrado, e largados esquartejados nas margens saibrosas do Rio Salgado.

Apesar da imensa riqueza, o Barão tornou-se um homem triste, solitário, embora temido por sua lendária crueldade, avesso ao convívio social, sempre envolvido em disputas, em meio a arengas e intrigas políticas. A paixão amaldiçoada por sua irmã Maria do Rosário o consumiu impiedosamente. Diz a lenda que ele próprio foi ao Vaticano e que suplicou ao Papa Pio IX a bênção papal para que se realizasse o matrimônio com sua irmã, negado veemente por sua Santidade, é claro.

Morreu em Paris, no ano de 1880 aos 58 anos, só, doente e abandonado. É pertinente que não se sabe o quanto de tudo isso possa ser verdade, mas o diretor de cinema John Ford escreveu certa vez que “Se a lenda for mais interessante que a realidade, publique-se a lenda”.