No meio do nada

Fazenda Lajedo, cariri da Paraíba, um lugar no meio do nada cercado de pedras, mandacaru, xique-xique, coroa de frade, facheiro e solidão. Bandos de pássaros de muitas espécies catam xerém farto no terreiro. O teju, desconfiado, vem comer a melancia e o abacaxi com os saguis. Sons de chocalhos dos bodes, monotonia, vento quente, rio seco. Terra de pedras: Lajedo de Pai Mateus, Lajedo de Manoel de Sousa, Pedra do Cálice, Muralha do Meio do Mundo, Lajedo do Bravo, cannion do Rio Soledade.

O bando de galos-de-campina voou e foi pousar na nossa mesa do almoço, olhos grandes e bicos sem cerimônia. O papa capim também chega junto. Depois, o casal de canários da terra e a família de saguis também chegam sem convite, acordando cenas virgens aos nossos olhos de citadinos.

No panfleto, a observação: “aqui, nada se tira a não ser fotografias, nada se leva a não ser saudade e nada se mata a não ser o tempo”. A área é de preservação ambiental.

Nesses caminhos caririzeiros, no entanto, um bicho anda escasso: o homem. No mundão seco, chão de pedras, casas abandonadas, seriemas debaixo do pé de juá, uma tragédia social e geográfica naquele lugar brutalizado pela paisagem amarga e áspera, sem água e sem terra fértil onde a chuva às vezes nem pinga por muitos anos.

O esforço é investir no turismo ligado aos esportes radicais e ecoturismo. Por isso, os bichinhos da fauna são tão paparicados naqueles ermos, calcanhar-de-judas apresentando uma beleza que só os desertos têm para mostrar com seus dentes afiados e seus espinhos ameaçadores. Soturnos currais de pedra seca, tristeza evocativa de antigos faustos. Córregos vazios, grotas de anjico que o povo do lugar aprendeu a transformar em oásis pelo milagre da adaptação ao meio. Mas, nem esse jeito faquir de viver foi suficiente para manter o natural em sua áspera terra. Faltam braços para revigorar o solo pobre, cheio de pedras e cobras, escorpiões e tejus desconfiados. O povo cansou de escavocar a terra que não ajuda.

Ora pois que, por via do cenário árido, a região passou a set de cinema. Até novela de TV andaram filmando. Lá foi a escassa população restante pastorear artistas e fazer figuração, aprender a receber turistas e mostrar seu paraíso desértico. Exaurido e reconhecendo a superioridade do deserto, o caririzeiro agora valoriza o pio da rola fogo-pagou e o clarão dos refletores do cinema nesse oco da Paraíba. “Somos a Hollywood nordestina”, diz orgulhoso o povo do lugar. De vão aberto na geografia da fome, rasgado para o vazio, o cariri aprende a ganhar a vida mostrando sua paisagem inóspita e emprestando-a para o audiovisual tupiniquim. Fora isso, a exploração mineral, principalmente a bentonita, uma argila vulcânica muito comum na região.

Pra quem gosta de viajar e fazer turismo de verdade (não para inglês ver), vale a pena visitar esse pedaço da Paraíba do Norte.

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Fábio Mozart
Enviado por Fábio Mozart em 21/11/2016
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