UMA PÉROLA ESCONDIDA
Ela chegou suavemente e saiu mansamente. Dentro desse valioso espaço de tempo, vivemos mais de vinte anos. Nessa travessia, foi, para mim, o braço direito, o braço esquerdo, o porto seguro. Eu podia sair para o trabalho, com tranquilidade, porque ela estava em casa, e chegar com a certeza de encontrá-la.
Não ocupou espaço, não levantou a voz, não pediu nada, apenas estava ali, sempre pronta a atender os apelos de todos e de cada um. Hoje eu sei o tamanho da gratidão que sinto e da confiança plena que depositava em Dalva, aurora permanente.
Certa vez, estava em sala de aula, quando percebi, na porta entreaberta, a presença muito discreta de duas " meninas" que me acenavam, minha filha Nêmora e ela. Uma tinha uma sacolinha na mão. Levavam um pé de sapato para eu trocar porque eu havia saído de casa com o par desencontrado.
Várias vezes, bem cedinho, vi Dalva colocando meias nos pés dos meninos que ainda dormiam. Dizia que era para adiantar, para eles se aprontarem mais depressa. Até hoje não sei como ela deu conta de tantos pares de meia, de tantas blusas e camisas de uniforme, na hora certa.
Assim se passaram muitos anos e foi necessário correr com eles. A complexidade da vida desvia-nos a atenção e nos impede de ver a felicidade que está perto, limitação que a transforma em bem transcendental sempre distante. Eu era feliz e não sabia!
Costumo duvidar das recordações dos momentos vividos, mas a lembrança das pessoas generosas traz saudade e oportunidade de reflexão. Ao menor descuido, as aves batem asas para lugares distantes e deixam a saudade em seu lugar, assim como uma marca indelével.