Pausa Pro Café
Sentei na cafeteria da esquina, numa das mesas externas rente à calçada, observando o movimento, sentia o aroma de café que exalava de dentro do estabelecimento e que aspirava com toda devoção pelas narinas, penetrando em meus poros, era meu terceiro cheiro favorito no mundo, depois do de mata molhada, que me lembra chá diluído no ar, você se imagina até abocanhando o nada, sentindo o líquido de folhas descendo como cascata, te curando por dentro, e do perfume dela, cuja borrifava meticulosamente por de trás das orelhas, que eram cobertas como cortina por seus cabelos, o garçom, simpático, serviu meu café, que fumegava dentro da xícara com detalhes de flores, bebi o líquido quente, que se espalhava sobre minha língua, como pólen após uma rajada de vento, inundando meu paladar com gosto de céu, do divino materializado em forma de grãos, que me entorpeciam, envolvendo-me numa atmosfera onírica, de puro deleite, enquanto fitava as pessoas circulando, encontrando e desviando-se pelo olhar, como mísseis teleguiados prestes a explodir em suas batalhas internas, descansei a xícara sobre o pequeno pires, enquanto a água de coloração furta-cor escorria pela calçada, levando consigo pedregulhos e restos de folhas caídas das árvores, a corrente vinha da papelaria ao lado, cujo dono promovia toda a limpeza da fachada, começando religiosamente às quatro da tarde e terminando quatro e meia.
Difícil dizer o motivo da repetição do mesmo ato, o porquê de toda a encenação, cerimoniosa, por parte de todos, igualmente comprometidos com o cotidiano, vivendo individualmente mas unidos pelo trivial, pelo comum, coabitando regularmente na mesma zona temporal, no limbo das vicissitudes, onde o dono da papelaria lavava, eu bebia, as pessoas passavam, como uma cena de um filme em repetição, inertes em pensamentos, talvez ensaiando dar o próximo passo.