Quase uma epifania

Passei uma tarde querendo escrever algo que nem sei o que era, uma crônica ou um conto, algo tão surpreendentemente jamais escrito, que despertasse o interesse do mundo, não fui capaz de achar um assunto que despertou o meu próprio interesse. Cogitei escrever uma carta destinada a mim, daquelas que você lê no futuro e se surpreende com a porção de coisas que aconteceram na sua vida até então, fiquei com medo de não acontecer nada, me contive. Pensei em melhorar alguns textos nos quais parei pela metade e terminá-los, mas apenas algumas vírgulas foram acrescentadas, e os textos permaneceram resumidos a documentos abandonados. Resolvi que escreveria um bilhete para o vizinho sem remetente, sobre a minha inutilidade de hoje diante da escrita, resolvi deixá-lo em paz, porque não saberia como finalizar o bilhete, se pedia sugestão para o problema, ou se apenas explicava o drama vivido. Escrevi frases soltas que não se encaixariam em nada, tentei juntá-las para completar um texto que não faria sentido algum, me convenci que tudo o que o mundo precisaria saber já foi escrito há muito tempo, e deletei as frases. Quis escrever uma peça de teatro e largá-la pela metade, para dar um ar de suspense na plateia, sou um fracasso para teatro, e também porque os finais não me acontecem como os começos, larguei para lá nas primeiras duas linhas, me perdoem os atores que eu havia idealizado, mas a vida está aí para mudar as direções que traçamos sempre que possível. Comecei a escrever sobre um rapaz que passou o dia todo no seu quarto, mas eu não soube o que o rapaz queria passando um dia todo no quarto, e decidi deixá-lo quieto por lá. Lembrei de uma moça, e de sua história desinteressante, mas a personagem de tão sem graça não fez nada impressionante que valesse a narrativa, e me lembrei que eu não sou boa para tentar melhorar as coisas, me desculpe também essa moça, mas eu não poderia mudar em nada os eventos desinteressantíssimos da sua vida muito menos colocar um final improvável que fizesse toda a história valer a pena. Pensei em escrever um texto motivacional, deixei a folha em branco. Eu sei que existe alguma história por aí que precisa ser escrita, esperei que ela viesse até mim, pois a preguiça de procurá-la era maior que a vontade de escrevê-la depois de tantas tentativas falhas acerca da escrita, e até agora não sei qual é essa história. Escrevendo essa última frase eu soube que às vezes até mesmo quando não temos algo para escrever, acabamos escrevendo sobre algo de alguma forma.

Anny Ferraz
Enviado por Anny Ferraz em 19/11/2016
Reeditado em 10/08/2018
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