A Vingança de Diocleciano



- Ufa, enfim, aposentada! – Exclamou Suzana, entrando esbaforida em casa, atirando a bolsa de cromo alemão sobre a poltrona.
- Que maravilha, amor! Livre pra voar...
- Voar para Cristina. O velho sonho vai se realizar – interrompeu ao marido, socando o ar, gritando uau!
- Não é pra já, não é amor!?. – disse Fernando, picando cebola roxa.
- Pra ontem, meu bem, pra ontem.
- Tudo bem, a princípio. Su, poderíamos esperar pelo menos mais um ano...
- Nana-ni-na-não, querido. O tempo urge.
- Tenho uma agenda de exposições...
- Ai, que saco! Desculpa, amor, desculpa. Eu entendo! Seu trabalho está sendo reconhecido. Vamos encontrar uma saída.

Um ano depois.

Nesse ínterim, Suzana visitou Cristina ene vezes, encontrou a casa, que era cara do casal. Fechou negócio. Mobiliou-a com móveis novos, pois dos antigos do ap, só levou mesmo a arca de arcos de ouro, cravejada de diamantes, herança de quarta geração, deixada sob sua guarda, para ser repassada ao representante da geração seguinte.
Pé na estrada, rumo à Cristina.
No assento de trás, Diocleciano brincava com Amy, a gatinha angorá.
- Ô mala, falou Fernando, estendendo uma barra de chocolate ao amigo.
- Mala, né? É assim que agradece a quem só lhe deu a mão.
- A mão, o estômago... Brincadeira, velho, você mora aqui, do lado esquerdo do peito. Agora me conta direitinho, como conseguiu convencer o prefeito a criar uma coordenação de cultura e a construção de uma galeria de arte.
- Bons argumentos, um bom projeto...
- Filho da mãe, ainda por cima, será o nosso coordenador. Ah, velho, estou feliz – estimulou Fernando.
- Tenho uma outra notícia, que irá surpreendê-los.
- Você sabe muito bem, que odeio surpresas – reagiu Suzana –, vamos lá, desembucha.
- Agora não, só depois, quando chegarmos a Cristina. A gente vai a um bar tomar umas e outras, aí eu conto. Vocês terão um papel importante nisso, especialmente você, Suzana.
- Meu instinto feminino não está captando coisa boa.
- Veremos... – disse Diocleciano de um modo enigmático.
Diocleciano estava feliz com o trabalho. O salário não era lá essas coisas, mas dava para cobrir as despesas. Morava em uma pequena casa, não muito longe do casal amigo. Suzana batia pernas, tomava banho de cachoeira, feliz de papo pro ar. Fernando pintava telas e fazia sucesso na cidade. Seis meses se passaram. Diocleciano convidou os amigos para comerem um peixe grelhado e tomarem um vinho em sua casa.
- Agora é a nossa vez de comer às custas de Diocleciano, né Fernando? Comentou Suzana
- Quem diria!?.
- É um prazer – respondeu Diocleciano – poder retribuir, afinal nossa amizade não foi feita em boteco.
- Ah foi sim! Retrucou Suzana.
- Pois é, durante todo esse tempo, vocês não me perguntaram sobre a surpresa que eu iria fazer-lhes.
- É mesmo! Confirmou Fernando.
Peixe grelhado, vinho das serras gaúchas. Tudo ia muito bem até Diocleciano revelar a surpresa.
- Atenção Suzana, principalmente você, que tem tempo livre. O Fernando também, mas será de acordo com as possibilidades dele.
- Êêê! Veja lá o que vai dizer... – reclamou Suzana.
- Serei candidato a vereador nas próximas eleições – disse abrindo um sorriso.
Silêncio absoluto.
- E aí? Não vão dizer nada? Perguntou Diocleciano.
- Que merda é essa Clécio? Ficou doido? Reagiu Suzana.
- E o que nós temos com isso? Perguntou Fernando.
- Uai, vou precisar de vocês, para a minha campanha. Especialmente você Su, que tem tempo livre e experiência. Trabalhou a vida inteira na política, vai me ajudar.
- É esta surpresa? Ah, meu amigo, quem pariu Mateus que balance o berço. Tô fora! Eu não mereço isso. Fui assessora parlamentar, secretária, chefe de gabinete, comi o pão que o diabo amassou, fingi não ver falcatruas, acordos espúrios, gente do primeiro escalão, casados, assediando funcionárias. Chega!?
- Ah, Su, não vai me deixar na mão, vai? Conto com você, para me ajudar a construir uma proposta. Tenho de sair candidato, faz parte do acordo político com o prefeito. Você não será caba eleitoral. Será promovida a Sargenta, lição que aprendi com o Barão de Itararé.
- Ainda está de gozação... Pode uma coisa dessa, Fernando?
Não teve jeito. Durante três meses, das sete da manhã às vinte e duas, às vezes até meia-noite, Suzana se dedicou à campanha do amigo.
Diocleciano não foi eleito vereador, teve pouco mais de vinte votos, graças à Suzana, que visitou eleitores, distribuiu santinhos, gastou sola de sapato e saliva. Foi ideia dela o slogan “Esse ano, vereador é Diocleciano”. Extenuada, após os resultados, comentou, agastada: - Ainda por cima é ruim de voto!





Esta crônica está no livro Crônica do Amor Virtual e Outros Encontros - Edição esgotada.


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