Embaçado

Sempre desconfiei que a palavra "embaçado" era muito embaçada. Parece tomada de um pálido desejo de incorporar o estado sobre o qual pretende dizer, com incapacidade para tanto. Um medo de se mostrar embaciada como é, qual bacia que colhe a chuva e a lança no ar, retirando das coisas sua ilusória nitidez. Mas onde a chuva, neste dia, se o asfalto está seco e uma moça quase feliz vende morangos muito vermelhos no sinal? Por que, de repente, o dia ganhou essa falta de brilho, essa cor turva de coisa turva, ainda que os morangos queiram muito dizer o contrário? Seria a andança dos olhos pelo umbigo e a enxurrada de não enxergar a pele do outro, na pele do outro? Seriam esses passos calçados de razão, ávidos de razões? Ó olhos! Pobres olhos! Incapazes de sentir o cheiro triste dos morangos, neste dia embaciado.