Imagem: arquivo pessoal




 
___________Tempo de Manga

 
 Tempo de manga no interior não é só tempo de manga. Tempo de manga é quase uma festa, marca de uma época, é jeito de começar um causo: “Quando aconteceu aquilo, eu me lembro, era tempo de manga...”. E com certeza, a história já começa  contando pontos pro contador.

Tempo de manga é razão pras famílias se visitarem. Levando um saco bem grande pra trazer as mangas madurinhas, é claro. Os compadres trocam recados: “Cês não vão vim, não? As manga tão no fim!”. O outro logo se abrevia: “Deusolive! Vamo depressa então, uai! As manga nesse ano de chuva deva de tá um mel!”. Há também quem chegue de surpresa levando mangas deliciosas como presente. E que presente pra se lambuzar!

Puro mel! Assim costumam ser as mangas do interior.  Aquelas que crescem pela força das chuvas e ganham dourados pelos raios do sol. Nada de manga amadurecida à força, destas compradas em supermercado, com polpa sem doce, de cor desmaiada e sabor de nada. Não, nada disso! As mangas do interior, apanhadas no pé, são outro departamento, pois chegam de verdade em tempo de manga, demarcado pela Natureza.

Estamos em tempo de manga. Por todos os lugares que se vai, lá estão elas adornando os quintais. Das ruas, é comum se avistar as copas das mangueiras pontilhadas por seus frutos, provocando os olhos cobiçosos. Reinam soberanas esperando quem bata à porta movido pela tentação: “Será que a sóra pode me dar uma manga?”. Claro que sempre pode! Manga é coisa que se negue a algum vivente com vontade? “Entra lá nos fundos, fica à vontade!”.

Nos quintais mais preparados sempre há um bambu bem comprido com uma latinha amarrada na ponta, que é pra não machucar o fruto na queda. Na falta do aparato, caindo lá  das alturas, o pobre chega ao chão totalmente esborrachado, perdendo o suco que escorre e tirando o prazer da primeira mordida. Bom mesmo é ter a manga bem firme, e depois de lavá-la em água corrente, ir comendo com casca e tudo: polpa e casca, numa mordida só, que mistura inigualável! Quem nunca comeu que experimente.

Manga do pé é manga sem chiques de exportação. Nem Palmer, nem Haden ou afins.  É manga caipira mesmo: manga pequi, manga espada, manga rosa, manga coquinho, muitas vezes, a mesma manga com outros nomes, dependendo do lugar e região. De preferência, com fiapo no dente, senão perde  a graça. Outra coisa: manga  não é exatamente a fruta da elegância. Coisa chata é comer manga com  garfo e faca. Não, não, nem pensar! É preciso um momento de  intimidade, reservado para tal fim, pois a pessoa vira outra comendo uma manga, do jeito que se deve comer de verdade (e aqui nem quero saber como é "o cão chupando manga").

Pois bem, em tempos de manga tenho o privilégio de desfrutar da visão de algumas mangueiras bem à janela. Árvores antigas, legado de uma antiga fazenda, preservadas no atual traçado da rua. Nestes meses do ano, as majestosas mangueiras atraem gente de longe que vem buscar os frutos caídos pelos ventos da noite. E no decorrer do dia quantos gralhados, piados e grasnados! Aves  a bicar as mangas maduras! Coisa bonita de se ver em tempos que, cada vez mais, se usufrui cada vez menos do espetáculo genuíno que a Natureza nos oferece.

Bom, tenho agora um encontro marcado. Vou haver-me com uma manga  a minha espera. Levo fio dental e tudo...